Se faltavam mesmo entre 30 e 40 votos para aprovar a reforma da Previdência, como vinha alegando o governo, pode até fazer sentido a troca de uma emenda constitucional que requisitava três quintos de apoio na Câmara (308 deputados) por 15 projetos de lei que exigem apenas maioria simples (257 votos) para avançar. No entanto, a nova prioridade legislativa para o restante do mandato do presidente Michel Temer depende de uma reorganização da base aliada que, na prática, ainda não se vê.
Um sinal de alerta se acendeu, na semana passada, com a recusa de vários partidos da órbita governista em votar a MP 800. Essa medida provisória, que perde vigência hoje, permitia estender de cinco para 14 anos o prazo máximo de duplicação das rodovias concedidas à iniciativa privada pela ex-presidente Dilma Rousseff. A queda súbita na demanda de veículos e a falta dos empréstimos de longo prazo prometidos pelo BNDES para financiar investimentos das concessionárias tornaram inexequível o cumprimento das exigências dos contratos. As empresas e o governo argumentam que, sem um reequilíbrio econômico das concessões, elas precisarão ser devolvidas à União e haverá ainda mais atraso na execução das obras.
Muitos parlamentares - de legendas como PSDB, PSD e PRB - questionaram se não seria injusto dar mais tempo às obrigações contratuais sem um alívio nas tarifas de pedágio cobradas dos usuários. É uma pergunta pertinente. Mas fica a impressão de que a MP não está "caducando" só por causa do escrutínio legislativo, mas também como reflexo de enfraquecimento do governo. Os ministros Carlos Marun (Secretaria de Governo) e Maurício Quintella (Transportes) foram à Câmara suplicar pela aprovação da medida provisória. Receberam promessa de apoio que, no mesmo dia, foi solenemente descumprida.
Diante da importância de outros projetos apontados como prioridade para os próximos meses, o Palácio do Planalto terá que fazer uma digestão rápida da derrota e reaglutinar sua base para garantir pelo menos 257 votos em pautas importantes da agenda, como a privatização da Eletrobras. O risco é de que emendas aparentemente desnecessárias sejam inevitáveis para aprovar os projetos.
O relator da proposta que autoriza a capitalização da companhia energética, deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), tem sido prudente. Ele propôs, até agora, duas alterações importantes no texto original. Uma pode aumentar, de R$ 9 bilhões para R$ 15 bilhões, os recursos destinados ao longo dos próximos 30 anos para a revitalização do rio São Francisco. O dinheiro será descontado das receitas obtidas com as usinas hidrelétricas que deixarão de operar pelo atual regime de cotas. Outra mudança é a criação de uma agência para cuidar da tarefa de recuperação da bacia hidrográfica. Perto dos estragos que podem vir, são ajustes menores e que não desvirtuam o caráter modernizador da operação. O que preocupa é o fato de 43% dos deputados, de acordo com sondagem contratada pela Eletrobras, terem se manifestado em novembro contra a sua privatização.
Conforme proposta enviada ao Congresso, o governo deverá sair da presidência do conselho de administração da Eletrobras, mas manterá uma "golden share" assegurando direito de veto em decisões estratégicas. Os acionistas privados não poderão ter, individualmente, mais do que 10% de participação. Assim, evita-se a tomada de controle por meio de oferta hostil. E só haveria venda de ações se o aumento de capital que está previsto não for suficiente para tornar a União minoritária.
Para que o governo Temer deixe um legado positivo à Eletrobras, praticamente quebrada pela gestão anterior, esses pontos devem ser preservados. Nos últimos 15 anos, segundo cálculos da gestora 3G Radar, a estatal jogou no ralo R$ 186 bilhões por motivos políticos ou ineficiências. Do valor destruído em empreendimentos como Belo Monte ou Angra 3, passando pelas perdas com a má gestão das distribuidoras e com o malfadado plano de Dilma para baratear as contas de luz em 2012, os erros cometidos só deixam três alternativas: um mega-aporte público, sua quebra ou uma capitalização por acionistas privados. As duas primeiras são impensáveis. Não é confortável ver o governo com dificuldade em conseguir apoio de seus aliados na Câmara para a aprovação de medidas que, tal como a reforma da Previdência, são impopulares, mas indispensáveis para o futuro do país.
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