Em debate na Folha, acusações de corrupção e pessimismo na economia são apontados como desafios
Ricardo Balthazar | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - A eleição presidencial deste ano será um teste de resistência para o sistema político brasileiro, na avaliação de um grupo de especialistas reunidos pela Folha para um debate na noite de quinta (24)
Sua sobrevivência dependerá da capacidade dos principais partidos de oferecer respostas convincentes aos anseios da população num ambiente marcado pelo pessimismo dos eleitores e pelo descrédito dos políticos, eles disseram.
O evento reuniu os cientistas políticos Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernando Abrucio e Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino.
“Há um desejo de ruptura, e quem souber expressar a indignação que os eleitores estão sentindo terá vantagem”, afirmou Paulino. “Mas a dificuldade para convencer as pessoas é muito maior hoje.”
Segundo a pesquisa mais recente do Datafolha, concluída em abril, 67% dos eleitores dizem não ter candidato quando instados pelos entrevistadores a revelar espontaneamente suas preferências.
Quando apresentados a cenários que excluem ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba e deve ser impedido pela Justiça de disputar a eleição, até 28% dos eleitores disseram não ter em quem votar.
“O eleitor não tem esperança nesse sistema e isso é preocupante”, disse Abrucio. “O país está em frangalhos e o próximo presidente não governará se não responder a isso.”
Pereira observou que os dois candidatos que lideram a corrida na ausência de Lula --o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e a ex-senadora Marina Silva (Rede)-- não têm nenhuma das vantagens que garantiram a vitória em eleições presidenciais anteriores, como partidos fortes e enraizados e apoio de outras siglas.
"Se os mecanismos tradicionais ainda funcionam, esses dois candidatos vão desidratar", disse Pereira, sugerindo que isso abriria caminho para políticos como o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que apareceram empatados em segundo lugar na pesquisa de abril do Datafolha.
Os participantes do debate divergiram sobre os riscos criados pela Operação Lava Jato para a sobrevivência do sistema político —e da própria democracia brasileira.
Para Wanderley, o avanço das investigações e a prisão de Lula representam uma ameaça para a democracia, ao estimular o descrédito da atividade política e a concentração de poderes nas mãos de juízes e procuradores.
O professor chamou de “fascistoide” o juiz Sergio Moro, que conduz os processos em Curitiba e mandou Lula para a prisão, e disse que ele “manipula a opinião pública para garantir punições sem provas”.
Ele citou um artigo acadêmico de 2004 em que Moro defendeu a busca de apoio da opinião pública como parte essencial de uma estratégia de combate à corrupção.
Wanderley também criticou o Supremo Tribunal Federal, acusando a corte de “atropelar a lei” e contribuir para a “barafunda da crise” ao julgar casos como o pedido de habeas corpus apresentado por Lula antes de sua prisão, em abril.
Para Pereira, ao contrário, o fortalecimento do Ministério Público e de outros órgãos de controle são sinais de amadurecimento da democracia brasileira e devem ser festejados.
“Ninguém quer uma sociedade com a política criminalizada, mas o saldo desse processo é positivo”, disse Pereira. “Estamos impondo limites a desvios sérios e promovendo uma desarrumação criativa.”
Apesar do apoio da opinião pública à Lava Jato e da popularidade de Moro e dos procuradores na linha de frente das investigações, Paulino observou que a maioria da população ainda vê com desconfiança o Judiciário —para 92%, ele trata melhor os ricos do que os pobres, segundo o Datafolha.
Abrucio disse que o país atravessa um “período jacobino”, numa referência à fase mais radical da Revolução Francesa (1789-1799), e afirmou que a “deslegitimação do processo político” pode levar os eleitores a optar por líderes de inclinação autoritária e políticos como Bolsonaro.
“A ação dos órgãos de controle pode estar nos levando para um sistema político melhor do que o atual”, disse Abrucio. “Mas pode ser também que estejamos dando poder demais a pessoas que não foram eleitas e buscam sua legitimidade fora da política.”
O debate desta quinta marcou a reabertura do auditório da Folha, que estava fechado para reformas havia um ano. O jornalista Uirá Machado, editor da Ilustríssima, foi o mediador da discussão. No dia 5 de junho, o jornal receberá economistas para o debate "Mais um ano perdido?".
Nenhum comentário:
Postar um comentário