STF autoriza uso da força, mas à noite ainda havia 519 pontos de bloqueio de rodovias
Liderança do movimento pede que caminhoneiros liberem as estradas, enquanto a PF investiga a participação de empresários na paralisação. Palácio do Planalto agora negocia com os estados uma redução do ICMS sobre o diesel
Depois de anunciar um acordo com os caminhoneiros na quinta, que na prática não surtiu efeito na greve da categoria, o governo federal convocou as Forças Armadas para intervir nas estradas e editou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em todo o país. Ante a iminência da atuação dos militares, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), principal porta-voz do movimento, pediu que os grevistas liberassem as rodovias. O STF autorizou o uso da força e a aplicação de multas de R$ 100 mil por hora às entidades envolvidas no bloqueio. À noite, manifestantes ainda faziam bloqueios parciais em 519 pontos do país. A Fazenda negocia com os estados redução no peso do ICMS sobre o diesel, que, somada a outras medidas, pode gerar alívio de R$ 0,35 por litro. A Polícia Federal investiga a participação de empresários na paralisação. editorial ‘Greve de caminhoneiros sequestrou a sociedade’
Exército contra bloqueios
Após grevistas ignorarem trégua prevista em acordo, governo recorre às Forças Armadas
Cristiane Jungblut, Geralda Doca, Eliane Oliveira, Elisa Martins, Fábio Teixeira e Juliana Castro | O Globo
-BRASÍLIA, SEROPÉDICA E SÃO PAULO- Um dia depois de um acordo no qual o governo atendeu a uma extensa pauta de reivindicações dos caminhoneiros, permaneciam no país os mesmos sinais de caos, com grave desabastecimento por causa do bloqueio de rodovias. Diante disso, o presidente Michel Temer recorreu às Forças Armadas para retomar a ordem. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, anunciou a edição de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em todo o território nacional para auxiliar na liberação das rodovias bloqueadas.
A medida vale até 4 de junho. O decreto atendeu a pedido do comando do Exército, que queria segurança para atuar. A partir dele, as forças de segurança podem efetuar as ações, como, por exemplo, dirigir um caminhão e tirá-lo da estrada. O desbloqueio das rodovias no Rio de Janeiro será mais rápido do que nas demais unidades da federação, afirmou uma fonte do Palácio do Planalto. Isso porque o estado já está sob intervenção federal desde fevereiro. A Força Nacional já está no Rio e não são necessárias medidas burocráticas para esse fim.
O uso da força foi autorizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Ele concedeu liminar atendendo a pedido do governo. Moraes impôs multa de R$ 100 mil por hora às entidades que atuarem nas interdições de vias e multa de R$ 10 mil por dia ao motorista que obstruir a pista. Na ação apresentada ao STF, Michel Temer e a advogada-geral da União, Grace Mendonça, pedem que o Supremo considere a greve ilegal porque, apesar de ter “compromisso democrático” com a livre manifestação, não se pode inviabilizar direitos fundamentais, como a locomoção.
Além disso, a Polícia Federal foi chamada para investigar se houve a prática de locaute — na qual empresários impedem empregados de trabalhar, para atender a uma pauta de própria. Em pronunciamento, Temer chamou os caminhoneiros que mantiveram a paralisação de “minoria radical” e disse que o país esperava dele um posicionamento.
Assim que o governo anunciou o uso do Exército, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), que não fechou acordo com o governo, pediu a desobstrução das estradas. O presidente da entidade, José da Fonseca Lopes, justificou a decisão pelo temor com a segurança dos caminhoneiros.
JUNGMANN: 419 INTERDIÇÕES LIBERADAS
Só que o apelo da Abcam não surtiu efeito entre os grevistas que faziam bloqueio na Rodovia Régis Bittencourt, em São Paulo. Dizem que a entidade não influencia as decisões do movimento.
— A Abcam representa empresas transportadoras. Não manda nas estradas — disse um grevista.
Informalmente, caminhoneiros comentam que, se forem obrigados a sair, podem furar os pneus dos caminhões, o que impossibilitaria a liberação da via. Outros afirmam que só sairiam por vontade própria a partir de terça-feira, para que houvesse tempo de o governo publicar em Diário Oficial o cumprimento à exigência dos grevistas.
— Ainda não vimos nada por escrito. Queremos que baixem o diesel a pelo menos R$ 2,50, e que esse preço esteja estampado na bomba. Fora imposto, pedágios. A chance de conseguir alguma coisa é agora — disse outro motorista, que se identificou apenas como Bruno.
Na Rodovia Presidente Dutra, na altura de Seropédica, Região Metropolitana do Rio, havia pelo menos 200 caminhões parados no acostamento no início da noite de ontem, nos dois sentidos da via. Não havia sinais de desmobilização.
Um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que monitorava a manifestação contou que os caminhoneiros estão cooperando. Segundo ele, o grupo não tentou fechar a via em momento algum.
Entre os caminhoneiros, o protesto não é unanimidade. Um motorista de caminhão de lixo conta ter sido orientado pela empresa a render o colega que estava protestando na Dutra. E se surpreendeu com a receptividade de quem passava pela via.
— Eles passam buzinando, batendo palmas. E não falta comida. Toda hora trazem coisa para a gente comer. Mas não queria estar aqui. Preferia estar com a minha família. Infelizmente, não tive como recusar, sou novo na casa — disse o motorista.
Na manhã de hoje, ele será rendido por outro colega. A empresa, de Nilópolis, montou um esquema de turno para os funcionários.
Os caminhoneiros que estão parados na Refinaria de Duque de Caxias (Reduc) desde segundaNos feira afirmaram que não deixarão o local, mesmo com a decisão do governo de usar as Forças Armadas. Ontem, caminhões com combustível deixaram a refinaria escoltados pelo Exército e pela PM.
— Não estamos preocupados porque não estamos obstruindo nada. Não vamos sair daqui enquanto não tivermos uma solução para o que está acontecendo — disse Nelson Salvino, de 47 anos, que é caminhoneiro há 25 anos.
Ele disse que a maior parte dos motoristas parados na Reduc é autônoma e não é representada por nenhum sindicato.
Segundo Jungmann, no entanto, a decisão do governo deu resultado. Ele afirmou que o setor de inteligência constatou que, das 938 obstruções nas estradas pelos caminhoneiros, 419 foram liberadas. Até o início da noite, ainda restariam 519 bloqueios, que, segundo o ministro, seriam parciais:
— Quase 45% das intervenções já foram dissolvidas. Isso aponta para a adesão crescente dos caminhoneiros aos termos do acordo fechado pelo Palácio do Planalto com a categoria.
Já o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, disse que a decisão de decretar a GLO teve como razão restabelecer o abastecimento no país: — O gatilho foi o risco do desabastecimento. Além da GLO, o governo tem nas mãos a possibilidade de um novo decreto para a requisição de bens. Mas ressaltou que essa medida só será adotada caso seja necessário requisitar caminhões ou motoristas para fazer um carregamento.
— O que o governo está querendo dizer é que, se não conseguirmos garantir o abastecimento necessário e isso coloque em risco a saúde, por exemplo, haverá requisição. E se as coisas chegarem ao extremo da radicalização, o governo vai usar os instrumentos que tem — disse Etchegoyen.
Jungmann esclareceu que a ideia surgiu porque, em várias ocasiões, quando a Polícia Federal foi solicitada para fazer escolta de caminhões, as empresas se negavam a disponibilizar motoristas. Ele frisou que a medida não tem como alvo os condutores autônomos, e sim pessoas jurídicas.
bastidores, Temer avaliou que era uma questão de “sobrevivência” do governo a retomada da normalidade. Faltam sete meses de governo, e o caos instalado poderia levar a um movimento sem volta. Desde a madrugada, os ministros envolvidos perceberam que o acordo não tinha sido aceito na base dos caminhoneiros. Antes das 7h já estavam em alerta. Por volta das 10h30m, Temer convocou ministros civis e militares para tratar do tema.
Jungmann afirmou que determinou a abertura de investigação e inquérito, pela Polícia Federal, para apurar a responsabilidade de quem está tirando proveito da situação. Segundo o ministro, uma das preocupações do governo é que as empresas responsáveis pelas paralisações estivessem ampliando suas margens de lucro.
PLANALTO RECEBEU QUATRO ALERTAS
Os líderes dos caminhoneiros afirmam que o Palácio do Planalto foi avisado em ao menos quatro ocasiões sobre a possibilidade de paralisação. Nos ofícios endereçados ao ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e a Temer, os dirigentes das entidades da categoria pediram para serem recebidos a fim de discutir uma solução para o aumento diário do diesel e a carga tributária incidente sobre o combustível. Eles relatam que não obtiveram resposta.
O primeiro comunicado foi feito pela Abcam em 5 de outubro de 2017, endereçado a Padilha. A entidade destacava que o transporte rodoviário é fundamental para o país e reclamava da alta dos custos, decorrentes da elevação das alíquotas do PIS/ Cofins sobre o diesel. Pedia a adoção de um mecanismo para atenuar os reajustes diários do combustível feitos pela Petrobras. Em 14 de maio de 2018, a entidade fez nova tentativa, dessa vez endereçada a Temer. E alertou: “Imagine o Brasil ficar sem transporte por uma semana? Seria terrível para todos nós. Informamos que, caso não tenhamos apoio deste governo, uma paralisação será inevitável.”
No dia 16 de maio, foi a vez da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), que enviou ofício a Temer. A entidade diz: “o estado de fragilidade financeira em que se encontra o setor é altamente inflamável como palha seca”, segundo a carta assinada pelo presidente da CNTA, Diumar Bueno, que solicitava audiência com o governo “em caráter emergencial”. A Abcam diz ter aguardado resposta do Planalto até a última sexta-feira. Como não receberam retorno, no mesmo dia à noite convocaram os caminhoneiros para cruzarem os braços na segunda-feira. Usaram mensagens via WhatsApp. Na segunda-feira, dia 21, foi a vez de a União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam) enviar carta a Temer, já citando a paralisação.
Um manifestante, de 40 anos, que apoiava o protesto de caminhoneiros na BR-386, em Estrela, no Rio Grande do Sul, foi baleado por um policial militar aposentado, de 60 anos, ontem. Ele havia sido cercado pelos caminhoneiros e disparou. Atingida na perna, a vítima foi encaminhada ao hospital.
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