Em um surto de ativismo, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal passou uma borracha no resultado da votação feita em plenário no dia 4 de abril e permitiu que José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, condenado a 30 anos e nove meses de prisão, aguarde em liberdade o julgamento dos recursos em sua defesa enviados ao STJ e ao STF, mesmo depois de condenado em segunda instância. É tudo o que vem pedindo a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, mas que, pela roleta em que se transformaram as decisões do Supremo, não teve a mesma sorte. O ministro Edson Fachin, vendo-se sempre em minoria na Segunda Turma, enviou antes o pedido dos advogados do ex-presidente para ser julgado em plenário.
João Cláudio Genu, ex-assessor do PP, condenado a 9 anos e 4 meses, também condenado em segunda instância, foi igualmente beneficiado com a liberdade pelo voto conjunto de Gilmar Mendes, José Antonio Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, e a oposição solitária de Fachin. O trio ainda ratificou o habeas corpus dado por Gilmar Mendes ao operador do MDB, Milton Lira, preso na Operação Lava-Jato, e anulou os documentos obtidos em ação de busca e apreensão, feita no âmbito da Operação Custo Brasil, no apartamento da senadora Gleisi Hoffmann, hoje presidente do PT.
Toffoli, ex-advogado das campanhas presidenciais de Lula, e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil, escolhido e subordinado de José Dirceu em sua gestão, foi voto determinante para a soltura de seu ex-chefe. Fachin havia pedido vistas do processo quando Toffoli tirou da algibeira um habeas corpus de ofício, que não tem necessidade de pedido específico da defesa, e resolveu a questão, com apoio dos outros dois ministros. Celso de Mello não compareceu à sessão.
Fachin argumentou, corretamente, que o plenário do Supremo já se pronunciara pela possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância, mas Lewandowski foi taxativo em desautorizar a decisão. "Enquanto as ações declaratórias de constitucionalidade não forem julgadas, esse tema ficará em aberto e as turmas e magistrados não estão adstritos a um julgamento específico tomado em plenário". Isto é, um longo e aguardado julgamento do plenário do STF, que culminou com votação de 6 a 5, foi no final pura perda de tempo e de esforços. Valeu o que um grupo de juízes achou que vale, isto é, nada.
O Supremo está dividido em grupos que tomam decisões antagônicas, para desmoralização da Corte. Toffoli, Lewandowski e especialmente Gilmar Mendes decidiram coibir o que julgam abusos da Lava-Jato, mas resolveram fazer isto no atacado, libertando pessoas sobre as quais pesam graves acusações, como Jorge Barata Filho, empresário do setor de transportes do Rio, a quem Gilmar Mendes, padrinho de casamento de sua filha, mandou soltar três vezes. Todas as prisões, aparentemente, se tornaram arbitrárias, e algumas mais que outras.
Um meio importante de reduzir o poder de fogo da Lava-Jato é eliminar a possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância. Ela serviu de poderoso estímulo a delações premiadas de empresários às voltas com graves denúncias de corrupção, ao pôr fim à prática de interpor recursos infinitos até a prescrição de processos. A prisão após a segunda instância foi permitida durante a maior parte do regime republicano, o STF a acolheu, mas vários de seus juízes não, e fazem valer sua vontade.
Toffoli assumirá a presidência do STF em setembro e é certo que levará o julgamento das ADCs, obstaculizado pela ministra Cármen Lúcia, ao plenário. Gilmar Mendes mudou seu voto e é possível que, na análise da questão, a ministra Rosa Weber faça o mesmo. Se isso ocorrer, não apenas políticos e empresários corruptos serão soltos, como criminosos comuns também.
A falta de colegialidade nas decisões do STF transformou a segurança jurídica em chacrinha, com decisões diferentes para pessoas diferentes dependendo dos juízes que as julgam. A prisão após a segunda instância inequivocamente fez avançar a Lava-Jato e seria um retrocesso se o plenário do STF a invalidasse. De qualquer forma, é preciso uma regra, decidida por todos e que todos cumpram. Não se sabe onde está a justiça quando cada ministro decide o que lhe passa pela cabeça e arregimenta apoios fugazes para suas teses passageiras.
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