- Valor Econômico
Trajetória imaginada era de queda contínua até 2026
A mudança da trajetória fiscal brasileira teve vida curta. A redução gradual e contínua das despesas da União até 2026, em comparação com o Produto Interno Bruto (PIB), era o objetivo central da estratégia econômica implementada pelo governo Michel Temer. O objetivo, no entanto, só foi cumprido em um único ano - 2017. Neste ano, os gastos federais voltarão a crescer mais do que a expansão da economia, de acordo com projeção do próprio governo.
Quando Temer assumiu o governo, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o diagnóstico da equipe econômica foi que as contas públicas brasileiras apresentavam um desequilíbrio estrutural, marcado por um crescimento continuado dos gastos ao longo de décadas. No período mais recente, o quadro foi agravado pela longa recessão econômica que vitimou o país, reduzindo fortemente a arrecadação.
De 1991 a 2016, a despesa primária do governo central (não considera o pagamento dos juros das dívidas) passou de 10,8% do PIB para 20% do PIB, de acordo com dados do Ministério da Fazenda - um aumento de 9,2 pontos percentuais do PIB. Boa parte do crescimento do gasto decorreu da implementação de direitos e benefícios instituídos pela Constituição de 1988. Outras despesas foram criadas por diferentes governos para atender a demandas sociais. Outros gastos subiram porque regras excessivamente generosas, principalmente na esfera da previdência dos servidores públicos, não foram corrigidas.
O resultado dessa trajetória foi que, desde 2016, a receita corrente líquida (RCL) da União não é suficiente para pagar as despesas obrigatórias. A RCL é obtida pela soma de todas as receitas da União (menos as financeiras), deduzidas as transferências constitucionais e legais. Pelas decisões tomadas nos últimos meses, aprovando aumento de gastos, a maior parte dos senadores e deputados ainda não se deu conta dessa situação.
Como o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, informou, recentemente, durante seminário realizado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), mesmo se as despesas discricionárias fossem reduzidas a zero, o resultado primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) seria deficitário em R$ 8 bilhões. Isto significa que não há possibilidade de o governo central voltar a registrar superávit primário em suas contas se não reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Mesmo que venha a apelar, novamente, para o aumento da carga tributária.
Os gastos discricionários são aqueles que o governo tem liberdade para cortar, como os investimentos e as despesas de custeio. Todo o ajuste fiscal desde 2015 foi feito com a redução deste item. O problema é que a redução desses gastos tem um limite, sob pena de paralisar a máquina pública. No ano passado, por exemplo, eles foram reduzidos para o nível de 2009.
O Ministério do Planejamento estima, segundo disse Mansueto no mesmo seminário, que será necessário um corte de cerca de 24% nas despesas discricionárias estimadas no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2019, que passariam dos R$ 128,9 bilhões previstos para este ano para R$ 98,4 bilhões no próximo ano.
A realidade mudou um pouco, pois a inflação em maio e junho foi maior do que o esperado inicialmente, em razão da greve dos caminhoneiros e da forte alta do dólar. Assim, o limite do gasto para 2019 ficará bem acima da previsão inicial do governo. O teto para a despesa da União em determinado ano é dado pelo limite fixado para o ano anterior corrigido pela inflação verificada no período de julho a junho. Quanto maior a inflação, maior a margem para a expansão do gasto. Com inflação maior, o governo poderá cortar menos as despesas discricionárias para ficar dentro do teto.
É preciso tomar cuidado ao analisar a trajetória da despesa no período recente. O gasto aumentou muito em 2015 e 2016, em proporção ao PIB, principalmente porque o país viveu uma das maiores recessões de sua história. A economia, portanto, encolheu bastante. Reduzindo o denominador (o PIB), o resultado aumentou (a despesa em proporção ao PIB).
É preciso tomar cuidado também com o dado de 2017, pois a despesa só ficou em 19,5% do PIB porque os Ministérios não conseguiram gastar cerca de R$ 30 bilhões que foram colocados à disposição deles no fim daquele ano. Se tivessem gasto o permitido, provavelmente a despesa não teria caído em comparação com o PIB.
Quando estabeleceu sua estratégia de política fiscal, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles esperava reduzir o gasto público em cerca de 0,5 ponto percentual do PIB ao ano até 2026. Assim, o pico da despesa ocorreria em 2016, quando chegou a 20% do PIB. Ela cairia até 15% do PIB em 2026.
A trajetória projetada por Meirelles dependia da aprovação da reforma da Previdência e de outras medidas de redução do gasto obrigatório, que foram ficando pelo caminho. Hoje o governo espera apenas o próximo presidente ser eleito.
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