- Valor Econômico
Não se espere autocrítica dos ortodoxos
O governo entrou em sua fase terminal. Com a greve dos caminhoneiros e a saída de Pedro Parente, Temer perdeu a capa de respeitabilidade que ainda o protegia. Velhos aliados aproveitaram a deixa para abandonar o barco e se eximir de responsabilidade pelo desastre.
O governo Temer veio ao mundo amparado por ampla coalizão. A aliança abrigou todos que viam em Dilma e no PT a causa última da crise vivida pelo país. Simplificando, as pastas ministeriais foram entregues a dois grandes grupos. De um lado, os 'profissionais', como viria a nomeá-los Moreira Franco e, de outro, o 'Dream Team' capitaneado por Henrique Meirelles.
Romero Jucá, um expoente dos 'profissionais', explicou melhor do que ninguém as razões que levaram o grupo a abandonar Dilma: era preciso estancar a sangria, traçar o círculo que dividiria os que já haviam caído nas malhas da Lava Jato dos que ainda poderiam se salvar.
O 'dream team' se juntou ao governo para recuperar a economia. Prometeu fazer a 'lição de casa' depois de anos de gestão macroeconômica heterodoxa imposta pelo PT. Os 'fundamentos' seriam respeitados, reformas implementadas e, liberado das amarras e distorções, o mercado responderia e a atividade econômica seria retomada. A economia voltaria a crescer. Essa foi a promessa feita quando o grupo assumiu as rédeas da economia.
Ao longo de todo o governo Temer, a ortodoxia imposta por Meirelles e sua equipe nunca deixou de contar com a confiança do mercado. Mais do que isso, nunca se questionou o acerto do receituário aplicado. Bastaria fazer a lição de casa, respeitar os fundamentos e o Brasil voltaria a crescer. A politica adotada pelo 'Dream Team' nunca foi questionada.
A agenda reformista não encontrou resistências no Congresso e reformas, como a PEC do teto dos gastos e a trabalhista, foram aprovadas. Os avanços foram saudados pelos analistas econômicos, que não se cansaram de dizer que suas consequências podiam ser divisadas na esquina. Era questão de paciência, de dar tempo ao tempo e os efeitos seriam sentidos no bolso dos cidadãos.
O episódio Joesley, assim como vários outros contratempos causados pelos 'profissionais', não rompeu a aliança. Gerou, é certo, algumas dúvidas no mercado sobre a capacidade do governo levar à frente a agenda reformista, mas essas interrogações se dissiparam rapidamente. 'A economia se descolou da política', passou-se a dizer.
Assim, a completa desmoralização dos 'profissionais' não atingiu o 'Dream Team'. Ao contrário, a dependência do governo para com a equipe de Meirelles aumentou. Promover reformas passou a ser a única forma de justificar a sobrevivência do governo. Mais do que isso, todas as acusações contra o governo passaram a ser vistas como artimanhas para minar a agenda reformista.
Mesmo quando a Reforma da Previdência foi deixada para as calendas, os oráculos capazes de interpretar os humores do mercado não deixaram de reafirmar sua confiança no 'Dream Team'. A promessa seria cumprida. O Brasil voltaria a crescer, talvez com menos força e intensidade, mas a economia não tardaria a dar sinais de vitalidade.
Henrique Meirelles, de sua parte, tampouco demonstrou ter qualquer dúvida sobre o sucesso da sua gestão e, muito menos, das suas repercussões eleitorais. Migrou do PSD para o MDB e obteve o aval do presidente para se apresentar como o candidato da continuidade. Orgulhoso, gabou-se de ser uma espécie de solucionador geral das crises.
Ao longo de maio, contudo, as projeções do crescimento do PIB foram revistas diversas vezes, sempre para baixo. O otimismo cedeu lugar ao realismo e, ao fim do mês, ao pessimismo. A reversão de expectativas se completou com o anúncio oficial do PIB para o primeiro trimestre. O cenário internacional trouxe outras más notícias, como crise na Argentina e pressões sobre o câmbio. As certezas foram para o ralo. A recuperação da economia faltou ao encontro.
Na última sexta-feira, Armínio Fraga, o oráculo dos oráculos, foi direto ao ponto: "caiu a ficha do mercado". Demorou, mas caiu e a fanfarra desafinou: "O mercado está vendo que os fundamentos mostram o país em uma tremenda dificuldade fiscal".
O governo fracassou. O 'Dream Team' não entregou os resultados prometidos. Simples assim. Outro ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, já havia entoado o réquiem: 'Nem ordem, nem progresso', foi o título da sua coluna de segunda última.
Mas não se espere autocrítica dos ortodoxos. Para estes, fracassos servem apenas para reforçar convicções. Por exemplo, a crise do setor de transportes se deveria aos subsídios de Dilma, que teria gerado excesso de oferta de fretes. A fraca demanda que a prometida recuperação da economia deveria gerar não entra na explicação.
Além disso, sempre é possível jogar a culpa nos aliados. O problema de fundo, afirmou Loyola, é que a classe política não tem "incentivo algum para apoiar reformas que signifiquem perdas de privilégios para certos grupos da sociedade. Preferem, ao contrário, continuar distribuindo 'meias entradas', a torto e a direito, principalmente com o intuito de auferir dividendos eleitorais." Ou seja, Meirelles nunca teve em mente colher 'dividendos eleitorais' e, se falhou, é porque seus aliados o impediram de ser tão radicalmente reformista como deveria.
Os liberais se eximem de culpa e a única solução que enxergam para a crise é a radicalização de seu programa: "O mais desalentador é que o enfrentamento da crise pelo governo Temer mostrou que o aprendizado tem sido nulo. Erros se repetem, o populismo se mantém, assim como o apelo a remendos que trazem distorções maiores ainda ao mercado", conclui Loyola.
Os aliados abandonam o barco, ignoram os velhos companheiros de aventura e sua contribuição para o fracasso do governo. Estamos por conta de Temer e seus 'profissionais'. Assim acabam os governos.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.
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