- O Estado de S.Paulo
Apesar do discurso de corte,gasto público avança e provoca debate sobre tributos
Vamos imaginar que um candidato a presidente da República use seu horário eleitoral na TV ou dispare mensagens via WhatsApp e twitter para defender aumento de impostos. Parece insano, não é? A percepção geral da sociedade é que a carga tributária é pesada, não tem a devida contrapartida de prestação de serviços públicos e o Estado é no mínimo leniente na sua tarefa de cortar gastos. Não importa que alguns especialistas desfiem argumentos para relativizar essa tese. O fato é que a população está convencida de que não dá para falar – ou melhor, não dá nem para pensar – em aumento de impostos e de que dá para fazer muito mais em termos de redução de despesas.
Soluções simplistas não costumam ser soluções de fato, já é sabido. Ainda mais nesse emaranhado fiscal, com gastos obrigatórios que acabam não chegando ao destino desejado e receitas engordadas com “jeitinhos” transitórios, para garantir o cumprimento formal do Orçamento. Tudo isso com a agravante de que, quanto mais se amplia esse emaranhado, maior é o número de brechas encontradas pelos interessados em tirar uma casquinha do dinheiro público. Nesse sentido, a “limpeza” de pauta providenciada pelo Congresso no finalzinho de semestre e a programação para a volta do recesso, são exemplares. Não que isso seja novidade. Mas ganha um sentido especial, diante da troca de guarda no Planalto e da necessidade de não estreitar ainda mais o espaço fiscal da nova administração.
Para começo de conversa, a decisão do Congresso de derrubar o veto a reajustes para servidores públicos e a criação de cargos, embutido no texto original da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019, tem um potencial de pendurar uma conta de R$ 17,5 bilhões no Executivo, segundo cálculos do Estadão/Broadcast. Nas mãos dos parlamentares, ainda estão vários projetos tidos como gastadores, e a estimativa é que, juntando aumento de despesas com renúncia a receitas, esteja armada uma pauta-bomba com impacto de R$ 100 bilhões. Com isso, já estaria contratado um déficit primário acima da meta de R$ 139 bilhões fixada para 2019. A equipe econômica torce para que os tais projetos gastadores não furem a fila de votação. Afinal, são itens que podem e devem ser adiados. Ao contrário de despesas obrigatórias, que não estão ao alcance da tesoura. É o caso da Previdência, que absorve 45% dos gastos totais do Tesouro.
Diante desse quadro, é natural que prosperem as conversas sobre impostos, por mais inconvenientes que possam parecer. Pelo menos três tributos estão na mira de candidatos à sucessão de Temer: volta da taxação sobre dividendos, aumento da tributação de herança e regulamentação do imposto sobre grandes fortunas. Dos três, o que parece ter mais trânsito é a taxação sobre lucros e dividendos de pessoas físicas – extinta no Brasil em 1995, sob o argumento de que se tratava de uma bitributação, mas que sobrevive na maioria dos países. A estimativa é que a cobrança de uma alíquota de 15% permitiria um reforço na receita da ordem de R$ 60 bilhões anuais.
O imposto sobre herança se enquadraria justamente numa estratégia de reduzir o desequilíbrio entre impostos diretos e indiretos, um dos maiores pecados da estrutura tributária atual. O imposto já existe, nas mãos dos Estados, a alíquota vai até 8%, mas na média fica em 4%, gerando uma arrecadação que mal passa de 0,1% do PIB. Com uma alíquota mais polpuda, poderia ir a 0,5% do PIB. Por fim, há o imposto sobre fortunas, criado pela Constituição de 1988 e até agora no papel. A principal justificativa contra sua adoção é exatamente o fato de que a receita adicional não vale o esforço para a cobrança – até porque há muitas formas de livrar as “fortunas” da órbita desse imposto. Seus defensores argumentam de que, além de contribuir para maior justiça tributária, o novo imposto poderia render até 0,5% do PIB.
O pior que pode acontecer, no entanto, é que as discussões sobre impostos sejam conduzidas de uma forma torta. Ou seja, com o objetivo estrito de tapar buracos e não dentro de uma reforma abrangente, tanto para simplificar a estrutura tributária do País, como para torná-la mais progressiva, mais transparente e menos injusta. Melhor encarar logo a questão do que, na emergência, improvisar saídas como a CPMF de má lembrança.
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