- Folha de S. Paulo
Extinção do Trabalho é outro sinal do plano de refundar o Estado, que pode afundar em ambição
Jair Bolsonaro pretende fazer uma enorme reorganização administrativa do governo. Em tese e em linhas gerais, muito nebulosas, essa mudança seria o primeiro passo de uma alteração profunda no Estado.
A extinção de ministérios, por vezes conversa caricata e superficial, pode ser apenas isso ou pretensão de algo muito mais sério, tanto revolucionário como desastroso. O fim do Ministério do Trabalho é mais um sinal dessa ambição.
A reforma Bolsonaro seria uma reviravolta no modo de fazer política macroeconômica, nos impostos, no comércio exterior, nas políticas industriais e na seguridade social e assuntos relacionados (Previdência, assistência social, proteção ao trabalhador).
Para começar, pode dar em desordem administrativa, gasto de energia em reorganização do governo e sobrecarga gerencial e política de pelo menos um superministro. Diante da urgência de tratar uma economia na UTI, vai dar para fazer tudo, logo de cara?
Paulo Guedes, indicado para o Ministério da Economia, vai comandar o que são hoje as pastas da Fazenda, do Planejamento, da Indústria e Comércio Exterior.
Especula-se que levaria o grosso do Ministério do Trabalho: o FAT. A administração, o reordenamento e os conflitos políticos envolvidos na reforma das políticas e instituições desses ministérios são uma enormidade, talvez temeridade.
O Trabalho tem orçamento de R$ 85 bilhões. O ministério, grosso modo, é o FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhador, que tem 95% da verba, na prática. Do que sobra das despesas diretas com pessoal (mais de R$ 3 bilhões), gasta-se com fiscalização e arrecadação do FGTS, com programas de economia solidária, fiscalização do trabalho e com a Fundacentro (de estudos de saúde e medicina de trabalho), quase tudo pouco dinheiro.
O FAT é um fundo composto pela arrecadação do PIS-Pasep, que paga o seguro-desemprego e o abono salarial (um salário mínimo anual para quem ganhe até dois salários por ano e cumpra outros requisitos), que levam 75% do dinheiro (uns R$ 57 bilhões). O restante financia o BNDES, programas de microcrédito e algumas tarefas do ministério tais como registros de emprego (Caged, Rais).
Mexer no dinheiro do FAT para abono, seguro-desemprego e FAT depende de mudança na Constituição.
O governo de Michel Temer quis e o de Bolsonaro quererá acabar com o abono, assim como alterar o FGTS (administrado pela Caixa). São mais mudanças centrais no mundo da seguridade e do trabalho.
Em tese, programas de microcrédito e de economia solidária podem muito bem ser absorvidos por um Ministério da Seguridade e/ou da Assistência Social. No entanto, a Previdência também já está na Fazenda (obra de Michel Temer), que será incorporada pelo superministério de Guedes.
A fiscalização do trabalho e a proteção de direitos sindicais e outros, detestada por certos empresários, em especial ruralistas, sabe-se lá onde irão parar. Sem ministro, o peso político dessas políticas todas em tese é menor.
O sentido geral do terremoto é limpar o terreno para uma mudança de raridade histórica, se der certo, do tamanho de mudanças getulistas e da ditadura militar, mas com sinal trocado. Se ficar com esse pedação do governo, Guedes seria na verdade o encarregado-mor da reforma geral do Estado.
Corre o risco de virar o grande alvo de diversos e fortes grupos de interesse e de tiroteio pesado e constante do Congresso Nacional.
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