quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Correção dos ativos e ruídos políticos assustam investidores: Editorial | Valor Econômico

O drama dos mercados financeiros americanos às vésperas do Natal, quando tiveram sua pior performance da história na data, é uma avant-première do que pode ocorrer em 2019. O tempo de volatilidade muito baixa, ampla liquidez, juros no chão e recordes sucessivos nas bolsas de valores ficaram para trás. O redirecionamento dos mercados começou em um movimento que exacerba amplitudes. A correção teria de vir em algum momento e ele parece ter chegado.

O atual ciclo de crescimento da economia americana é o mais longo desde a Segunda Guerra. Esses ciclos, a partir daí, desembocaram em igual número de recessões ou de baixo crescimento - sete cada (Valor, ontem). Há consenso do mercado de que o atual ciclo está perto do fim, mas não sobre o que se seguirá. O pânico de dezembro mostrou que parte dos investidores colocou nos preços a perspectiva de uma recessão. Os números da atividade e as projeções do Federal Reserve, no entanto, não indicam isso.

Da posse do presidente Donald Trump até agora, a economia americana cresceu sistematicamente acima de seu potencial - algo em torno de 2% - e roda hoje a uma velocidade de 3,5% e, mesmo após a queda dos mercados acionários, houve valorização de 30% (Gavyn Davies, FT). É natural que, com a dissipação dos efeitos do pacote de redução de impostos, as sucessivas e previsíveis elevações dos juros e encolhimento do balanço do Fed, a economia retorne a seu potencial, isto é, cresça menos. É o que o Federal Reserve previu em sua reunião de dezembro, ao estimar expansão de 3% neste ano, 2,3% no ano que vem e 2% em 2020.

O estímulo para a virada dos mercados foram as mudanças de orientação do Fed. Na reunião anterior, o banco sinalizou que haveria ainda um longo percurso de altas até o fim do ciclo de aperto monetário. Em novembro, durante palestra, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse algo diferente: que a taxa de juros já se aproximava de seu nível neutro (de 2,5% a 3%) e deixou no ar que poderia até mesmo interromper em 2019 os ajustes para cima nos fed funds.

Os investidores passaram a especular que o Fed elevaria os juros só mais um vez ou que, diante da desaceleração futura, interromperia as altas e até mesmo diminuiria a velocidade de ajuste do seu balanço, que ficou US$ 400 bilhões menor neste ano. A surpresa veio com o comunicado da reunião de dezembro, em que o Fed ainda se inclina por mais duas altas, juros de 3,1% ao fim de 2019 e nenhuma mudança na política de ajuste do balanço de US$ 4 trilhões.

O resultado foi que o S&P 500 entrou em território de baixa, com queda de 20% em relação seu pico anterior, e US$ 5 trilhões se evaporaram desde meados de setembro. O rendimento dos títulos do Tesouro de 10 anos, que chegou a 3,24%, encolheu para 2,75%. Cotações do petróleo caíram 6,2%. Como parte da onda baixista deflagrada nos EUA, o CSI 300 da bolsa chinesa atingiu 26% de baixa no ano e o Topix japonês, perdeu 20% no período.

A intranquilidade foi exacerbada pelo histrionismo de Trump. Primeiro, ele cogitou demitir o presidente do Fed, algo que escapa a seu poder e que não passou pela cabeça de seus antecessores, porque abalaria um dos pilares institucionais mais fortes da economia americana, com repercussões globais. Mesmo depois da nova alta de juros, Trump afirmou que "o único problema da economia americana é o Fed". Em seguida, coube ao secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, deixar os investidores nervosos ao dizer que se reunira com os maiores bancos americanos e que eles lhe asseguraram que tinham ampla liquidez para seus negócios - uma preocupação que não havia entrado no radar de ninguém. Depois, Trump provocou o fechamento parcial do governo ao afirmar que não sancionará o Orçamento sem que o Congresso lhe dê US$ 5 bilhões para construir o infame muro na fronteira com o México.

A correção das bolsas pode ser mais profunda, porque os índices foram sustentados por fortes recompras de ações e pagamento de dividendos - mais de US$ 1 trilhão por ano nos últimos três exercícios. A piora nas bolsas ajudará a desaquecer a economia americana, com a ajuda da desaceleração global em curso. Os efeitos da guerra comercial com a China se tornarão mais nítidos em 2019. Há várias razões para a mudança de direção dos preços dos ativos, embora não necessariamente tenham de provocar incêndios nos mercados. Mas os ruídos da Casa Branca podem tornar uma mudança ordenada em "efeitos manadas" dos investidores - e esse é um grande risco.

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