- Valor Econômico
Potencial de crises no governo Bolsonaro não está no gibi
A julgar pela primeira entrevista desde o estouro do escândalo, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, vai dar trabalho para o senador eleito e para a imagem do pai, Jair Bolsonaro, prestes a tomar posse, em cinco dias, como presidente da República. Nem com o sumiço de 20 dias, Queiroz conseguiu apresentar uma versão satisfatória para a movimentação financeira atípica, de R$ 1,2 milhão, apontada pelo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Numa entrevista ao SBT que foi ao ar ontem à noite, Queiroz quebrou o silêncio, mas as explicações, em vez de aplacar, levantaram mais dúvidas. Demonstrando nervosismo e pouca segurança, o ex-PM lotado no gabinete de Flávio Bolsonaro gaguejou em vários momentos, deixou pontas soltas e contradições. A primeira delas foi ao dizer que não está "fugindo do Ministério Público" e que "quero muito prestar esclarecimento". Em quase três semanas, Queiroz não foi encontrado em casa e faltou duas vezes a depoimentos marcados no MP do Rio. Apesar disso, encontrou-se com Flávio Bolsonaro, que procurou a imprensa para relatar ter ouvido dele uma história "bastante plausível".
É de se duvidar que o MP encontrará plausibilidade na versão. Fabrício credita a seu tino para negócios de revenda de carros o volume de recursos milionário que movimentou em sua conta no período de um ano - algo incompatível com os salários que acumulava como assessor parlamentar e policial militar, os quais estimou em R$ 24 mil. "Sou um cara de negócios, eu faço dinheiro, compro, revendo carro, eu sempre fui assim. Gosto muito de comprar carro em seguradora. Na minha época lá atrás, comprava um carrinho, mandava arrumar, vendia", disse, como se dois anos atrás fosse um tempo distante.
A extrema facilidade em ganhar dinheiro contradiz a necessidade de pegar um empréstimo com Bolsonaro, no valor de R$ 40 mil. A dívida teria sido paga em dez cheques de R$ 4 mil, e não parcialmente com o cheque de R$ 24 mil em nome da futura primeira-dama, Michelle, identificado pelo relatório do Coaf. Os depósitos que recebeu da filha e da esposa - também ex-funcionárias de Flávio - foram atribuídos a seu papel de gestor das contas da família. Sobre os depósitos de outros funcionários lotados no gabinete, Queiroz afirmou que só falará ao MP e procurou negar a suspeita de que sua conta era, na verdade, utilizada para o tradicional esquema das "rachadinha", em que deputados e vereadores se apropriam de parte ou de todo o salário de seus assessores parlamentares. "Não sou laranja, sou homem trabalhador, tenho despesa imensa por mês", disse.
Para justificar as ausências nos depoimentos do MP, Queiroz listou uma série de problemas de saúde: "Tenho uma cirurgia para fazer nesse ombro aqui, estou esperando marcar, e problema na urina, uma forte tosse, e foi constatado um câncer maligno. Tem que operar o mais rápido possível. É aqui no intestino. Tá um tumor grande", disse.
"; Você abriria mão do seu décimo terceiro para gerar emprego para uma terceira pessoa? Ass: Capitão América". O cartaz levado à porta do condomínio de Jair Bolsonaro chamava atenção - menos pela mensagem e mais pelos portadores - na primeira quinzena de novembro, quando a vitória do parlamentar impelia uma fauna de curiosos e simpatizantes a frequentar a calçada do presidente recém-eleito. Na avenida Lúcio Costa, 3100, na praia da Barra da Tijuca, o sujeito fantasiado de Capitão América e seu amigo, vestido de Homem-Aranha, estacionavam a moto estilizada com cores e adereços dos super-heróis e punham o alto-falante a tocar o cancioneiro de Benito de Paula. Era cena de um país em embriaguez e ressaca política. Com o passar do tempo, os dois aguardavam já com impaciência que Bolsonaro saísse de casa e assinasse o 'banner'. O conteúdo político da demanda era meio confuso: favorável ao fim do 13º salário, na medida em que a decisão fosse facultativa ao trabalhador.
Figuras excêntricas, Capitão América e Homem-Aranha foram parados na terça-feira de Natal pela Polícia Rodoviária Federal, perto do pedágio da Ponte Rio-Niterói. Capitão América estava sem carteira de habilitação e com capacete sem viseira. Homem-Aranha, que anda na garupa, portava capacete com película, o que é irregular - assim como a placa colorida. Antes que o veículo fosse apreendido, Capitão América se amarrou à roda dianteira com uma corda e depois se sentou no meio da pista para impedir que a moto fosse recolhida ao depósito. Acabou preso por crime de desobediência. Nem os super-heróis escapam da eficiência da Justiça e da polícia brasileiras.
Em frente ao condomínio Vivendas da Barra, Capitão América e Homem-Aranha davam os primeiros sinais de que, em meio à euforia dos eleitores que tiravam selfies no endereço de Bolsonaro, havia também limite para o entusiasmo com o futuro presidente. Frustrados à espera do recém-eleito, com fantasias quentes sob o sol de quase 40 graus, os personagens iam embora reclamando, sem o compromisso assinado no cartaz.
No tradicional conflito de interesses, o presidente eleito, ao longo de toda a campanha, se mostrou defensor da agenda do chamado setor produtivo, em declarações liberais, pró-mercado. No lugar do Partido dos Trabalhadores, Bolsonaro emerge como uma espécie de líder do Partido dos Empresários.
Contra eventuais turbulências de perda de apoio na opinião pública e maioria ainda a ser construída no Congresso, busca o lastro nas Forças Armadas. Os militares estão para Bolsonaro assim como sindicalistas e movimentos sociais estiveram para o PT. São sua base social. Sete dos 22 indicados para o primeiro escalão passaram por alguma das Forças Armadas.
É a estranha arquitetura de governança que Bolsonaro armou, na qual seu ministério não espelha a força dos partidos de uma pretendida base majoritária do Executivo no Congresso. Em vez do líder de um presidencialismo de coalizão, o futuro governante, ao que parece, se vê como um super-herói de história em quadrinhos. Acredita ter muitos poderes - no suposto apoio de bancadas temáticas, ruralistas e evangélicos à frente - para derrotar a oposição, transformada em vilã, e fazer reformas impopulares com o capital político-eleitoral. Mas o potencial das crises não está no gibi.
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