Em suas últimas semanas no governo, Márcio França diz que não descarta se candidatar eleição à Prefeitura de São Paulo em 2020
Gabriela Sá Pessoa e Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Derrotado na eleição, o governador de São Paulo Márcio França, do PSB, deixa o Palácio dos Bandeirantes em alguns dias e pensa em descansar sem deixar de fazer que mais gosta: política.
Na última quinta (20), quando recebeu a Folha em seu gabinete, estava preocupado com os últimos dias para fechar as contas de sua gestão. França diz que entregará o estado a João Doria (PSDB) com cerca de R$ 8 bilhões em caixa —apesar da queda de 1,2% das receitas totais do estado, contando a inflação.
Ele comemorava ter chegado a “uma equação política e jurídica” para desbloquear um fundo do Tribunal de Justiça que vai ajudar a esgotar o estoque de cerca de R$ 20 bilhões de precatórios (dívidas judiciais do estado).
• O acordo das dívidas do estado será o principal legado de sua gestão?
Essa coisa de uma lealdade com a política. Não neguei ser político. Minha lealdade com Alckmin, [o fato de] não declarar apoio que não pudesse por causa desse negócio apertado de Bolsonaro. Gostaria que ficasse essa marca da equação financeira, das contas em dia. E de alguém que dialogou de maneira mais ampla do que todo o mundo estava acostumado.
• Gostaria que algum projeto seu continuasse?
O alistamento civil [de jovens], falei para a equipe de transição. Você olhando assim parece uma coisa militar. Tenho certeza que é a cara desse novo Brasil.
• Na campanha, o sr. disse que o programa era uma alternativa de combate ao crime organizado, pois estrangularia a mão de obra dos criminosos. João Doria quer ter como vitrine de sua gestão uma guerra contra o PCC.
Eu me baseio na opinião dos policiais. Eles dão a entender que não é o mais efetivo dos métodos. A escolha dele [Doria] por um policial militar [coronel Marcelo Salles] que é o atual comandante da minha polícia e será o dele significa que tem a noção de modular o discurso.
• O PCC vive um momento agudo, com o plano de resgatar Marcola[principal líder da facção].
Essa história do plano de resgate, está onde?
• Foi revelado pela Polícia.
Eu não vi.
• Mas há uma equipe de policiais a postos em Presidente Venceslau [onde Marcola está preso].
Deslocamos policiais porque veio a informação de que tinha um plano. Agora, e se eles quiserem ser transferidos? E se a lógica for ao contrário?
• Está dizendo que esse plano pode ser um blefe?
Eu quero dizer o seguinte: aqui em São Paulo eles não saíram. Agora, será que vão ficar mais bem guardados num outro presídio? Os caras do PCC montaram um negócio —eles mandam cartinha, deixam pela mulher que vai sair, que vai ser pega [referindo-se à ordem para matar promotores]?
• Como responde à afirmação de que há um acordo do governo com o PCC?
Presídio não é um ambiente em que você queira ficar. Temos mais de 30 mil homens [trabalhando] no sistema penitenciário, então todo o mundo está compromissado com esse negócio?
• Muito se fala —e o sr. disse isso há algumas semanas— do risco de retaliação, caso o estado transfira líderes do PCC para penitenciárias federais.
Embora seja um problemão, a gente não pode ter esse receio. O que estou dizendo é que não dá para ser inocente. Nesse instante de transição, é o melhor momento? Já fizeram movimentos exatamente nessa época, acho que com o [então governador Cláudio] Lembo [em 2006]. É coincidência? Veja: de repente, no fim do mandato, tem que ser emergência?
• O sr. tem dito que é um dos cinco políticos com mais de 10 milhões de votos nas eleições. O que fará com esse capital político? Disputar a Prefeitura de São Paulo em 2020?
Não descarto nenhuma candidatura a nada. Quem é político, se tiver disputa de síndico, acaba se metendo.
• O PSB quer que seja candidato. O sr. quer?
[Leva três segundos] Não é o que eu programei. Não tinha no radar.
• Mas tem hoje?
Veja bem, não descarto. Foi quase 1 milhão de votos na frente [de Doria na capital, no segundo turno]. Quando você chega em certo envolvimento partidário, é meio empurrado para as coisas. Agora, se a política for, digamos, convocada...
• Se o modelo novo falhar?
Se todo mundo chegar à conclusão de que o modelo de extremos não é o certo, a política será convocada. E aí, se for convocada, vão chamar os políticos, o Márcio França, vão chamar quem tem um pouco mais de sobrevivência.
• O centro vai ter espaço?
As urnas mostraram rejeição a isso. Tenho dúvidas [da preferência por extremos], exatamente por São Paulo. Se as pessoas quisessem mesmo, por que o Bolsonaro teve 70% na capital e eu tive 60%?
• Mas foram votos no Márcio França ou anti-Doria?
Claro que teve anti-Doria. Mas quem votou em mim sabia das minhas posições, do ponto de vista de composição do Estado forte, com estrutura.
• O sr. ficou tentado a se associar a Bolsonaro na campanha?
Não, embora tenha sido cobrado. Mas não é assim. Não vou falar uma coisa de que eu não estou convicto.
• O que o sr. acha do secretariado de Doria, com tantos nomes do governo Temer?
Ele mesclou, mas é claro que está apontando um futuro político. Ele é certamente um nome para tentar a Presidência.
• O que o sr. fará depois de 1º de janeiro?
Voltar a advogar. Eu pretendia ver se nesses primeiros meses consigo fazer um pouco de recuperação física. Quero voltar a surfar, pescar, curtir um pouquinho. E esperar esse momento inicial [dos novos governos].
• Que recado o sr. deixa para Doria?
Total sucesso. Se depender de mim... Eu me sinto corresponsável pelo início da tarefa política dele. Estávamos juntos no mesmo avião, no dele, quando ele falou pela primeira vez que seria prefeito de São Paulo. Apostei que ele fosse se apaixonar pela política e pelo exercício da função de prefeito. Bem, ele se apaixonou, mas por uma [coisa] só, não pelas duas.
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