- O Estado de S.Paulo
Pressão militar para escapar da reforma da Previdência expõe limites do ajuste fiscal
Quando se toca no assunto aposentadorias, em qualquer bate-papo despretensioso, os pontos levantados são os mais variados, mas quase sempre desembocam numa ressalva, explícita ou envergonhada: “a reforma da Previdência pode até ser necessária, mas o meu caso é especial e, por isso, merece ser uma exceção”. Mesmo em discussões mais formais, que incluem representantes de várias categorias profissionais, as justificativas postas à mesa são parecidas.
Militares, policiais, professores, servidores públicos e mais uma penca de profissionais se colocam numa lista de trabalhadores que, a seu próprio ver, devem ser “contemplados” com regras mais brandas. Seja porque seu regime previdenciário tem, de fato, normas próprias de contribuição, seja porque suas condições de trabalho impõem mais riscos ou simplesmente porque a natureza da sua atividade é diferenciada.
Compreensível que cada um cuide de seus interesses, mas quanto mais exceções forem abertas, maior será o peso das restrições gerais sobre aquelas categorias desprovidas de poder de lobby, quase sempre no circuito do INSS. E naturalmente mais aguado será o resultado final das mudanças sobre as contas públicas, em relação às necessidades apontadas por especialistas.
O ganho fiscal projetado na proposta original de Temer ia pouco além de R$ 800 bilhões em dez anos e, depois de várias concessões, caiu mais ou menos à metade. As indicações são de que a proposta inicial do ministro Paulo Guedes são mais ambiciosas, mas é prudente esperar para ver onde isso vai dar.
É dentro dessa moldura que se enquadram as recentes pressões dos militares para ficar fora da reforma, motivando inclusive um certo estresse com a equipe econômica. É verdade que a versão final do texto de Temer já excluía essa categoria – e por isso recebeu várias críticas. Agora, porém, a situação é bem mais complicada, diante do protagonismo dos militares no governo Bolsonaro.
Ceder às pressões da caserna pode ser interpretado como mero corporativismo e ignorá-las, obviamente, também não é confortável para o governo. Ministros do staff de Bolsonaro já se pronunciaram claramente contra a entrada dos militares na reforma, amparados pelas particularidades da categoria, mas também com a discutível alegação de que seus salários têm sido corroídos – como se a aposentadoria tivesse a função de promover recomposição salarial.
O mais preocupante é que incluir os militares na reforma da Previdência não se trata apenas de uma questão de equidade. Em termos relativos, a escalada do déficit na Previdência dos militares é bem mais veloz do que a dos outros regimes: de janeiro a novembro, o déficit atingiu R$ 40,5 bilhões, com um aumento de 12,8% sobre o mesmo período de 2017, enquanto na Previdência dos servidores civis e no INSS, as altas foram de respectivamente 5,2% e 7,4%. Além disso, segundo o TCU, 55% dos militares se aposentam entre 45 e 49 anos de idade.
Os militares, contudo, não estão sozinhos nessa batalha em defesa dos seus próprios interesses. O mesmo acontece com outros setores, em relação a qualquer medida que afete sua remuneração. Guardadas as devidas proporções, é o caso, por exemplo, da mais do que polêmica concessão de um aumento salarial de 16,4% para os juízes do STF, na virada do governo Temer para Bolsonaro, com a contrapartida da derrubada do auxílio-moradia. Pois bem: as entidades de classe não se contentaram com esse benefício e, mesmo com a garantia de contracheques já engordados, foram à luta para defender a volta do auxílio-moradia. Como se previa, o efeito cascata já chegou a um terço dos Estados e, só para os cofres da União, o custo do reajuste salarial é estimado em R$ 1,7 bilhão.
Mais um exemplo: na esteira do aumento salarial do Judiciário, parlamentares aproveitam a disputa pela presidência da Câmara para reivindicar a “sua parte”. O deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), atual vice-presidente da Câmara, chegou a subir à tribuna para defender o mesmo reajuste concedido aos juízes do Supremo, com o pretexto de que é preciso melhorar a “qualidade de vida” dos parlamentares.
Rodrigo Maia (DEM-RJ), por sua vez, que acelerou a corrida para a reeleição, deixou de lado toda a sua retórica pró-ajuste fiscal e fez dois agrados aos parlamentares – antecipação do pagamento do auxílio-mudança e aumento salarial para seus assessores de gabinetes.
Claro que há interesses... e interesses. Assim como há direitos e... direitos. Mas, no fundo, há uma tendência semelhante: sacrifícios em nome do ajuste fiscal são preferencialmente para “os outros”. E os outros são sempre os mesmos.
* É jornalista
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