No momento em que o presidente Jair Bolsonaro importa problemas e desgastes desnecessários à política externa brasileira, como a possibilidade de transferência da embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e a permissão para uma base militar americana em território nacional, deve-se registrar o primeiro grande acerto do novo governo no cenário internacional. Trata-se da influência exercida pelo chanceler Ernesto Araújo no Grupo de Lima, conjunto de 14 países que tem se reunido periodicamente na capital peruana para discutir o agravamento da crise na Venezuela e articular reações à escalada ditatorial de Nicolás Maduro.
Como se sabe, ditaduras modernas não têm mais brotado de golpes militares, mas do recuo gradual da autonomia de instituições e do encolhimento progressivo de liberdades individuais. Desde antes da morte de Hugo Chávez, em 2013, a Venezuela tem desprezado símbolos da democracia. A imprensa que não se curvou aos desejos do autocrata sofreu com o desabastecimento de papel-jornal, fim de concessões televisivas, fechamento de emissoras de rádio, assédio a veículos de comunicação para venda a empresários amigos do regime bolivariano e até uso de violência física contra jornalistas.
Denúncia apresentada em outubro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sustenta que 236 pessoas ainda estão presas por razões políticas. Um relatório da Human Rights Watch contabiliza 380 casos de tortura e maus tratos contra opositores sob custódia do Estado. Em outubro, o vereador oposicionista Fernando Albán desembarcou em Caracas, de uma viagem aos Estados Unidos, e foi levado ao prédio onde funciona o serviço de inteligência. Três dias depois, seu corpo foi encontrado no térreo.
Tamanha repressão, com milícias à solta e incentivadas pelo governo, fez a sociedade se sentir acuada e desistir não só dos protestos de rua, mas das urnas. As eleições que reconduziram Maduro para um novo mandato de seis anos não foram justas, livres e transparentes. O juramento em sua posse para mais um ciclo presidencial, com uma Assembleia Nacional destituída de funções e uma Suprema Corte capturada, carece de qualquer traço de legitimidade. Por isso mesmo, merece repúdio a presença da senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, na solenidade, após 13 anos de cumplicidade com os desmandos do chavismo. Além de desapreço aos 2,3 milhões de venezuelanos que se refugiaram em outros países, desde 2015, a ida de Gleisi representa uma estratégia equivocada do ponto de vista interno. Pode até agradar à militância radical, mas dificulta a reconstrução de pontes do petismo com setores moderados do eleitorado brasileiro.
Melhor, especificamente nesse tema, fez o chanceler brasileiro. Junto com o novo assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, Araújo buscou uma posição mais assertiva do Grupo de Lima contra os abusos de Maduro. A linguagem anódina das declarações anteriores deu lugar a um comunicado objetivo. Não só houve condenação à "ruptura da ordem constitucional e do Estado de Direito" na Venezuela, como foi exposto um roteiro para medidas práticas: restrições à concessão de empréstimos por órgãos financeiros internacionais e regionais, veto à entrada de altos funcionários do regime no território dos países que compõem o grupo, eventual bloqueio de contas bancárias e congelamento de ativos dessas autoridades no exterior.
Logo após a posse de Maduro, o Paraguai rompeu relações diplomáticas e anunciou o fechamento de sua embaixada em Caracas. O Brasil não chegou a tanto. Na linha de outros integrantes do Grupo de Lima, como o Canadá, chamou a atenção para a ilegitimidade do novo mandato presidencial e reiterou apoio à Assembleia Nacional, democraticamente eleita, como "autoridade executiva" neste momento.
Para quem acredita que assim o governo brasileiro se afasta da possível condição de mediador da crise venezuelana para uma saída honrosa de Maduro, deve-se lembrar que nem o Papa Francisco conseguiu exercer esse papel. Tendo em mente que intervenção militar seria uma hipótese desastrosa para o futuro do país e da região, é hora de encarar o delicado desafio de conversar seriamente com a Rússia e sobretudo com a China, maior responsável por empréstimos bilionários que dão fôlego ao regime, mediante compromissos de fornecimento de petróleo.
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