- Folha de S. Paulo
A maioria das pessoas não quer a verdade, busca validação para crenças que reafirmem seus interesses
Passei parte do último dia do ano discutindo com pessoas que, depois de assistirem a um vídeo de YouTube, se convenceram de que a facada em Bolsonaro foi uma farsa.
O vídeo é sofrível: uma trilha sonora de tensão intercala fotos supostamente reveladoras e um texto com especulações mirabolantes. Indago: então a Polícia Federal que investiga o caso, vários veículos de imprensa –inclusive aqueles francamente contrários a Bolsonaro– e ainda as equipes médicas de dois hospitais estão todos mentindo? Sim.
Seria um vídeo anônimo no YouTube recheado de especulações sem provas mais confiável do que uma matéria de jornalistas profissionais que buscam apurar os fatos e do que as conclusões de investigadores da polícia?
Quem quer acreditar em algo encontra as justificativas. Quanto mais inteligente e estudado for, mais terá facilidade em construí-las. E é inútil debater diretamente contra essas justificativas, pois assim que se derruba uma aparecem outras. A discussão se torna um exercício infrutífero e a possibilidade de alguma sensatez cada vez mais distante.
A maioria das pessoas (e nós mesmos, grande parte do tempo) não quer a verdade. Busca validação para crenças que reafirmem seus interesses e sua identidade. Confunde assertividade retórica com evidência racional. Sempre foi assim.
A novidade é que agora os canais de informação estão pulverizados, dando voz a todo tipo de opinião (e formadores de opinião) e “fatos alternativos”. Isso é uma oportunidade e um risco.
A primeira safra de novas lideranças que chegou ao poder surfou essa onda usando e abusando de seu poder de manipular massas perdidas em meio ao caos da informação. Donald Trump, nos EUA, elevou a mentira a um novo patamar no discurso público.
O jornal Washington Post enumerou todas as mentiras ditas pelo presidente (e não contou opiniões controversas ou dúbias, apenas afirmações frontalmente contrárias aos fatos) ao longo de seu mandato até o fim de dezembro deste ano: 7.645. Ou seja, uma média de mais de dez mentiras por dia, em geral cantando falsas vitórias de seu governo.
Por aqui, seguimos o mesmo caminho. Não existe mais nenhuma desonra na mentira deslavada. O espertalhão eficaz é admirado por sua sagacidade. Os falastrões, os histriônicos e os teóricos da conspiração, os replicadores de fake news, tiveram sucesso eleitoral. As consequências que isso pode ter para as democracias são sérias.
Mais do que refutar uma ou outra notícia falsa, o importante é recuperar a confiança perdida nas instituições, que resguardam o apreço pela verdade contra a sanha de poder dos indivíduos. Da parte da mídia, isso só pode ser feito mostrando para o público que o jornalismo não é um mundo à parte, que as redações são compostas de pessoas de todos os perfis ideológicos.
Da parte das lideranças políticas, é preciso que nomes sérios à direita e à esquerda emerjam como interlocutores dos debates sérios para definir as mudanças no país, enquanto o restante continua seu showzinho infantil e alienante nas redes sociais.
Do ponto de vista econômico, estou cautelosamente otimista para 2019. Do ponto de vista cultural e político, contudo, os desafios são imensos e uma melhora em 2019 dependerá do engajamento de todos os cidadãos comprometidos com o bem comum.
Feliz Ano Novo!
Um comentário:
Já vi também algumas pessoas supostamente ''confiáveis'' dizendo que a facada foi uma farsa,e até dizendo que o vídeo-erótico do Dória foi plantado pelo próprio.Se a direita tem o Olavo e seus delírios,a esquerda também tem seus delirantes-compulsivos.
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