Crescimento dependerá das negociações
Cássia Almeida e Daiane Costa | O Globo
A política vai ditar o ritmo da economia este ano, dizem analistas de bancos e de instituições. Como o equilíbrio fiscal —a meta estabelecida é de um rombo de R$ 139 bilhões nas contas públicas — depende principalmente da reforma da Previdência, a força política do novo governo vai determinar o humor dos agentes. Na média, espera-se alta de 2,55% este ano, mais que o dobro de 2018, quando devemos ter crescido pouco acima de 1%.
—O crescimento deste ano está atrelado à questão doméstica. Se o novo governo não conseguir fazer a reforma da Previdência necessária, voltamos para o buraco. Se conseguir uma reforma mais profunda, podemos crescer 3% sem muita dificuldade —diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, que prevê expansão de 2,2% do PIB.
Os analistas também condicionam o crescimento à mudança da regra atual de reajuste do salário mínimo, que estabelece inflação do ano anterior mais a alta do PIB de dois anos antes. Sem a reforma e contenção das altas do salário mínimo, a atividade deve seguir crescendo na casa do 1%, dizem economistas. A regra atual só vale até este ano. Apesar da previsibilidade que a regra permitiu, a principal preocupação de economistas é o peso do mínimo nas contas públicas, já que ele é o piso dos benefícios previdenciários.
— Essa regra tem um impacto fiscal forte, porque agrava o déficit da Previdência. Mas a mudança tem custo político muito alto, pois reduziria o reajuste real do salário mínimo. Será desafiador para o novo governo — diz Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria.
Segundo o economista-chefe do Banco ABC, Luis Otávio Leal, o “Brasil está sempre no Dia da Marmota”:
—As dúvidas que temos em relação a 2019 são as mesmas que tínhamos para 2018. De novo o crescimento previsto, entre 2,5% e 3%, está condicionado a questões políticas. Temos todas as condições de crescer mais de 3%: os juros mais baixos da História, inflação sob controle e contas externas totalmente equacionadas, mas precisamos resolver a questão fiscal primeiro.
CONSUMO MAIOR
Para Leal, o novo governo tem uma “leitura correta do problema e da solução”. Resta saber se conseguirá implementá-la:
— Não há dúvidas sobre a competência da equipe econômica, mas ela depende da capacidade de articulação de Bolsonaro no Congresso, e isso é uma incógnita.
Vale, da MB Associados, tem dúvidas sobre o modelo de superministério da Economia:
— Paulo Guedes vai ficar assinando papel o dia inteiro, são muitas funções centralizadas nele. Pode atrasar mais do que ajudar. É uma ilusão que isso vai ajudar.
Os motores do PIB em 2019, dizem analistas, serão o consumo das famílias e os investimentos, seguidos pela agricultura, com previsão de safra recorde de grãos, e a indústria.
— Todo mundo está com o dedo no gatilho. Ao menor sinal de melhora, os investimentos vão acelerar. Não precisa necessariamente ser a aprovação da reforma, mas a indicação de que isso será possível, com proposta e estratégia boas —diz Leal.
Luciano Sobral, economista do Santander, observa que a melhora nas condições financeiras do país, com juros mais baixos, Bolsa em alta e câmbio mais valorizado, deve se manter em 2019, ajudando a impulsionar o crescimento:
—Não tem como ter melhora ampla se não for via consumo, que corresponde a quase 70% do PIB. Isso deve ocorrer porque o mercado de trabalho está melhorando, e os bancos
vão continuar ampliando as carteiras de crédito. As taxas de juros estão caindo, e os bancos privados estão com grande apetite para emprestar.
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre, da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que é uma “otimista cautelosa”. Prevê alta do PIB de 2,4%. Sua preocupação também está na política:
— A viabilidade política das reformas não está clara. Se fosse pelo presidencialismo de coalizão, a reforma teria condições de ser aprovada. Mas, nesse modelo que o novo governo quer implantar, de negociar com as bancadas, não sabemos como vai ser.
Silvia afirma que uma reforma que vai cortar benefícios já é difícil de aprovar, ainda mais se pautas de costumes, como o projeto Escola sem Partido, forem a moeda de troca das bancadas temáticas para aprovar a reforma da Previdência:
—Há risco de mobilização da sociedade, greves, o que pode paralisar o Congresso.
Ela espera que a inflação fique perto de 4%, dentro da meta de 4,25% fixada para este ano, mas com juros mais altos, perto de 8%. A taxa de desemprego vai recuar, mas continuará em dois dígitos:
— Deve ficar em 11,9%, na média, com o número de ocupados subindo 1,6%.
Segundo o professor da PUC Luiz Roberto Cunha, os preços dos serviços devem subir mais, com ganho de margem de lucro, depois de quatro anos em que, com a crise, ficaram comportados.
—Mas é uma subida de preços positiva. Pode haver aumento de investimento.
DECEPÇÃO EM 2018
Em 2018, um cenário externo adverso para países emergentes, como o Brasil, a greve dos caminhoneiros que parou o país por cerca de dez dias e um processo eleitoral turbulento minaram a confiança e frearam o crescimento do PIB. A economia pode crescer até menos da metade (entre 1,1% e 1,5%) do esperado no início do ano. Segundo Sobral, do Santander, a greve dos caminhoneiros freou a atividade. Em vez do 1,3% de expansão estimado pelo banco, poderia ter ficado em 2,3%. No início de 2018, a previsão dele era de 3,2%.
— A incerteza eleitoral foi muito além do que tínhamos estimado, e a greve dos caminhoneiros teve efeitos mais permanentes. Impactou negativamente alguns segmentos produtivos, além da confiança. Isso acabou resultando nessa grande frustração—explica Alessandra, da Tendências, que espera expansão de 2% este ano, puxada por consumo dos famílias e investimentos, que devem crescer 2,5% e 5,5%, respectivamente.
No cenário externo, as economias emergentes enfrentarão mais dificuldades, com alta de juros e desaceleração dos Estados Unidos, o que deixa menos recursos para investimentos em países como o Brasil. A crise na Argentina, que saiu de uma expectativa de alta de 2,5% do PIB para uma recessão que deve ficar nessa mesma proporção, pode ser agravada pelas eleições presidenciais, no fim de outubro. Ruim para o Brasil, já que o país vizinho é um dos seus principais parceiros, lembra Sobral, do Santander.
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