domingo, 27 de janeiro de 2019

Marcus Pestana: A gente se acostuma, mas não devia, com as manobras ilegais

- O Tempo (MG)

A escolha entre pagar os servidores ou pagar as prefeituras

Certa vez, Marina Colasanti teceu uma bela crônica que dizia: “A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora, a tomar café correndo porque está atrasado... A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que de tanto se acostumar, se perde por si mesma. A gente se acostuma, eu sei, mas não devia”.

Ocorreu-me esta crônica diante do noticiário sobre as relações do governo de Minas Gerais com os municípios mineiros. Aquilo que é absurdo virou rotina, e perdemos a dimensão da gravidade do que está ocorrendo.

O Brasil é o quinto maior país do mundo em território, com seus mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Os 208 milhões de brasileiros se espalham por 5.570 municípios, 853 em Minas Gerais. A nossa diversidade é fantástica. Nossa Federação é original, os municípios têm autonomia política e administrativa. Diante disso, como pensar em democracia forte e políticas públicas efetivas sem o fortalecimento dos municípios?

Amanheci no dia 19 de janeiro com a manchete do “Valor Econômico”: “Déficit conjunto de seis Estados atinge 74 bi”. E o pior era o gráfico logo abaixo, mostrando que a mais grave situação é a de Minas Gerais. Ocupamos hoje o triste primeiro lugar no ranking nacional da irresponsabilidade fiscal, com um déficit financeiro projetado, para 2019, de nada mais, nada menos, do que R$ 30 bilhões.

E não me venham dizer que é fruto da crise nacional. Espírito Santo e São Paulo, entre outros, estão com suas contas em dia e com as finanças estaduais saudáveis. Aqui sobrou “criatividade” na gestão irresponsável do Tesouro estadual (apropriação do consignado dos servidores, atraso com fornecedores, sequestro dos depósitos judiciais, não pagamento do 13º salário e a escandalosa e única no país burla dos direitos constitucionais dos municípios).

É inacreditável aonde chegamos. O governo estadual, em vez de ser um parceiro, como em tempos passados, se tornou um estorvo, um entrave, inviabilizando setores essenciais como educação e saúde.
O atual governo tem apenas um mês de trabalho. Recebeu uma herança perversa. Não há soluções simples para problemas complexos. A crise mineira é tão grave que exige de todos ponderação e diálogo. Mas o governo estadual tem que entender o desespero e o drama dos municípios. A Associação Mineira de Municípios (AMM) tem liderado há meses uma luta heroica. É preciso construir sólidos canais de diálogo, e não barreiras policiais. Mas impeachment também não é solução.

É preciso dar um voto de confiança ao novo governo, que sinaliza a intenção de fazer o ajuste fiscal. Mas é preciso também sensibilidade dos atuais governantes. Dois erros foram cometidos, a meu ver. Primeiro, mobilizar a Polícia Militar para barrar os prefeitos, como se fossem arruaceiros ou criminosos. Isso mina o ambiente de confiança recíproca e traumatiza a interlocução. Segundo, a afirmação de que é uma escolha entre pagar os servidores ou pagar as prefeituras. Alto lá! A César o que é de César. Senão, vamos acabar nos acostumando, e não devemos, com a ideia de que essa é uma manobra legítima, legal e razoável na gestão do caixa estadual. Nada disso! Esse recurso não pertence ao Estado. Isso só ocorre em Minas. É apropriação indébita e crime de responsabilidade. Deem aos municípios o que a eles pertence.

Minas é maior que esta crise!

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