- O Globo
Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)
Em uma cruzada pela finalização da usina nuclear de Angra 3, o Ministério de Minas e Energia (MME) divulgou nota na última terça-feira para contrariar a lógica: disse que não haverá impacto para o consumidor com o aumento do preço de referência do projeto, que dobrou de R$ 240 para R$ 480 o MWh. Segundo o MME, o texto desta coluna no domingo passado, sob o título “Segurança nacional”, estava equivocado e fazia uma análise “superficial” do tema pois ignorava a complexidade do sistema elétrico. O problema é que no setor há quem diga exatamente o contrário. Diversas associações já se manifestaram contra a retomada do projeto, com cálculos entre 2% e 3% de aumento na tarifa. O efeito real, na verdade, é incerto, porque a usina precisará de mais R$ 15 bilhões de investimentos — além dos R$ 15 bi que já foram gastos — e só ficará pronta em 2026, no melhor cenário. A obra começou nos anos 80, foi interrompida diversas vezes e tem um histórico de atrasos.
Nada garante que desta vez será diferente. A maior justificativa para a conclusão do projeto não parece ser a segurança energética, porque nesse período outras fontes de energia “firme”, como gás natural, poderiam entrar no sistema a custos mais baixos, entre R$ 160 e R$ 220. Além de Angra 3, o MME já fala na construção de mais oito usinas nucleares. Com as reservas de gás do pré-sal praticamente inexploradas e o monopólio da Petrobras no setor ainda a ser quebrado, o que parece equivocado é o foco na fonte nuclear.
Atrasos passam em branco
Outro ponto polêmico da construção de Angra 3 é que os atrasos na obra não sofrem punição pela agência reguladora (Aneel). As hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, por exemplo, foram penalizadas porque não entregaram a tempo a energia contratada. Já com Angra 3 isso não acontece. “Há um tratamento diferenciado porque o poder concedente é sócio da usina. Houve erros de gestão, mas quem pagará a conta será o consumidor. O pior é que a Eletrobras tem ações em bolsa. Quando o preço de R$ 480 foi autorizado, as ações dispararam. Isso é transferência de renda para o acionista privado”, disse um especialista na área.
Muito mais a gás
Os R$ 30 bilhões que podem ser gastos na construção de Angra 3 financiariam 8 GW de termelétricas a gás natural, seis vezes mais que a usina. O MME argumenta que a energia nuclear não polui, ao contrário da queima de gás. É verdade, mas desde que não ocorram acidentes como o de Fukushima.
Privatização na pauta
O presidente da Eletrobras conta que até fevereiro deve ter uma posição final sobre o projeto de aumento de capital da companhia. Wilson Ferreira Júnior tem conversado com o MME. A proposta, que tornará o governo minoritário, é fundamental para que a empresa recupere o fôlego financeiro. A gestão do executivo reduziu o endividamento para 3,3 vezes a geração de caixa operacional, relação que já foi de 13 vezes em 2014. Mas sem a oferta de ações, a Eletrobras só terá para investir algo como R$ 3 bilhões ao ano. Para manter sua participação de mercado, o investimento terá que chegar a R$ 12 bi, em média.
Dançando na chuva
Com o volume de chuvas abaixo da média histórica em janeiro, o preço da energia quase dobrou no mercado livre de curto prazo, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Saltou de R$ 178 o MW/h para R$ 337 no Sudeste/Centro-Oeste. O nível de água dos reservatórios nesse sistema estava em 27% na última quinta-feira, menor que os 30% do mesmo período do ano passado. Para a consultoria Thymos, o ano começou com desafios para o setor elétrico. “As chuvas não estão vindo como esperado e já em fevereiro podemos ter bandeira amarela na conta de luz”, afirmou Sami Grynwald, gerente da consultoria.
À frente do PIB
O consumo de gás natural na indústria cresce bem mais rápido que o PIB. Em 2018, até novembro, as fábricas consumiram 4,5% a mais que um ano antes. Já o avanço da economia ano passado ficou em torno de 1,3%. A Abegás divulga a pesquisa completa esta semana.
Com Marcelo Loureiro
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