“Passados 26 dias de sua posse, o governo Bolsonaro não mostrou ter uma alma. Falta-lhe quase tudo: programa, projeto de País, discurso, comunicação, temperança, conhecimento do terreno, prudência, capacidade de articulação, quadros técnicos e políticos competentes. Exceção feita às áreas da Economia, da Justiça e de Infraestrutura, o restante é um amontoado de figuras menores, com mentalidade provinciana, que falam pelos cotovelos, mas dizem pouco, como se tivessem, repentinamente, caído do céu para realizar uma tarefa que desconhecem e para a qual não foram treinadas. A improvisação dá o tom.
Os ataques ao “globalismo” feitos em nome de uma “Pátria soberana” que abaixa a cabeça para os poderosos do mundo são acompanhados de um esforço contumaz para desmontar os pilares institucionais, éticos e políticos da política externa brasileira. Desprezam as perspectivas que trabalham pela construção de um sistema internacional mais cooperativo e sustentável, livre de muros e barreiras ideológicas. O presidente disse em Davos que praticará uma política econômica de abertura e acima de ideologias, ao passo que seu ministro do Exterior se derrama em pregações ideológicas e fala em fechar o País aos “globalistas”. É uma dentre várias dissonâncias.
Entoar a cantilena autoritária da “caça aos marxistas” nas escolas só serve para ocultar a falta de um plano de ação que se dedique a recuperar o sistema escolar. A política educacional desponta com um vezo moralista e conservador que ignora as graves deficiências que minam a educação brasileira. Há, também, falas ministeriais despropositadas, sem pés nem cabeça, feitas como se estivessem referidas a outro tempo histórico e a um País datado.”
*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp. ‘Almas e demônios’, O Estado de S. Paulo, 26/1/2019.
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