segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Governo tenta pôr fim à crise, mas teme consequências

Por Vandson Lima e Carla Araújo | Valor Econômico

BRASÍLIA - Com a expectativa de o presidente Jair Bolsonaro oficializar hoje a demissão do ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, a cúpula do governo trabalha para tentar reverter a agenda negativa e encerrar a crise o quanto antes. A aposta será principalmente no envio do pacote anticorrupção e na reforma da Previdência ao Congresso Nacional, prometidos para os dias 19 e 20, respectivamente. "O assunto terminou. A crise acabou. Ninguém mais vai falar sobre isso", disse uma fonte palaciana.

Enquanto a ala militar prega o fim da crise, o entorno de Bebianno mostra descontentamento e critica a interferência dos filhos nas decisões de governo, mostrando que a rusga pode ter novos desdobramentos.

Durante o fim de semana, ao confirmar que aguardava a oficialização de sua saída no Diário Oficial de hoje, Bebianno deu declarações demonstrando mágoa com o presidente. "A tendência é essa, exoneração", disse o ministro no sábado. "É um direito que ele tem exonerar quem ele quiser, é um governo dele", afirmou ontem a jornalistas, reforçando que "agora é hora de esfriar a cabeça".

Empresário influente na campanha presidencial de Jair Bolsonaro, Paulo Marinho, que é também suplente no Senado de um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, Flávio, saiu em defesa do ainda ministro ontem ao deixar o hotel onde Bebianno mora, em Brasília. "Ele está sendo muito injustiçado. Mas muito", afirmou.

Após ser confirmada a demissão, Bebianno vai falar e fazer sua defesa, garante Marinho. "Ele vai querer dar a sua versão, até porque ele não vai querer sair como mentiroso, porque a acusação é improcedente". Sobre a possibilidade de Bebianno se vingar e abrir segredos que abalem o governo Bolsonaro, Marinho disse: "A gente só queria ajudar", completou.

Bebianno de fato deixou no ar, nas vezes em que conversou com jornalistas no fim de semana, que vai falar futuramente, inclusive de Carlos, um dos filhos do presidente e que o acusou de mentiroso. "Não vou comentar isso agora, quando acabar, se eu sentir vontade, eu vou dar satisfações". Marinho, por sua vez, não se furtou a criticar a interferência de filhos no governo. "Vejo com muito maus olhos. Mas é aquilo...filho é filho".

Responsável pela articulação com o Congresso, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, diz que é preciso focar a energia do governo em outros pontos. "É importante colaborar para não criar mais confusão. Ficar quieto e aguardar as decisões acho que é uma grande coisa", disse Santos Cruz ao Valor.

Apesar do foco em pautas positivas, Bolsonaro terá ainda que se debruçar sobre o destino da pasta de Bebianno. A Secretaria-Geral foi esvaziada com a saída da Secretaria de Imprensa (Secom) e o Programa da Parcerias e Investimentos (PPI) e agora deve ser alvo de disputa entre o PSL e a cúpula militar, que pode sugerir sua extinção, com a divisão de tarefas entre os demais ministros palacianos.

A princípio o secretário-executivo, general Floriano Peixoto, deve assumir interinamente. Segundo um interlocutor direto do presidente, no entanto, a situação ainda deve ser analisada, pois "não é um trampolim imediato", disse.

Se for confirmado no cargo, o general engrandecerá ainda mais a ala militar do governo e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, será o único civil a despachar no Planalto.

Pivô da maior crise do governo de Jair Bolsonaro até agora, após ter seu nome ligado a um esquema de candidaturas laranjas do PSL, presidido por ele no período eleitoral, Bebianno viu sua situação se deteriorar após um dos filhos do presidente, Carlos, chamá-lo de mentiroso por ter afirmado que havia mantido conversas com o presidente. Carlos negou, Bolsonaro endossou a postagem do filho nas redes sociais e na TV chegou a dizer que o ministro havia mentido.

Na sexta-feira, Bolsonaro e Bebiano enfim tiveram uma reunião no Planalto, que foi acompanhada pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o chefe do GSI, Augusto Heleno. Mourão e Onyx foram duas vozes do governo que foram a público defender a permanência de Bebianno no cargo. O general Heleno, principal conselheiro de Bolsonaro, reuniu-se três vezes na sexta-feira com o presidente e defendeu que o desfecho da crise fosse encontrado.

Após o encontro, alguns auxiliares do presidente chegaram a afirmar que tinha ficado acertada a permanência do ministro. Informação que à noite mudou e passou a ser a tendência de saída.

A gota d'água para a mudança no roteiro é apontada com o fato de o ministro ter supostamente vazado conversas suas com o presidente para veículos de comunicação, o que ele nega. "Eu não vazei nada, nunca fiz isso", defendeu-se o ministro. "Eu continuo tendo o mesmo carinho pelo presidente. Não mudou nada para mim em termos, eu continuo gostando dele da mesma maneira, trabalhei dois anos para eleger, fiz o que pude, fiz além do que qualquer ser humano normal faria", disse.

Bebianno confirmou que, para debelar a crise, o governo chegou a lhe oferecer a mudança para uma diretoria em Itaipu, como forma de compensa-ló pela saída do Planalto. "Foi oferecido cargo em Itaipu. Não [aceito], não foi esse meu emprego. Meu projeto era eleger a pessoa que me inspirava confiança e eu achava que ia mudar os rumos do Brasil para melhor. Eu apostei nisso, investi minha vida nisso e continuo acreditando", declarou.

A atuação de Carlos no episódio foi repreendida pela cúpula militar do governo, que desde o início da crise tentou agir como um "poder moderador", a fim de alertar para os riscos de que o governo seja reduzido a uma "filhocracia", com o chefe do Executivo sujeito à instabilidade familiar.

Um militar de alta patente que despacha no Planalto reconheceu que é preciso dar limites aos filhos do presidente, especialmente pelo fato de Carlos ter o controle sobre as redes sociais do presidente. Segundo essa fonte, Carlos deveria ter "a boca costurada" e "os dedos amarrados" para evitar novos episódios como o que deve resultar na primeira baixa do governo.

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