segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Luiz Carlos Mendonça de Barros*: Uma medalha e uma crítica para Ilan

- Valor Econômico

Hiato de indústria e serviços clamam por nova rodada de desafogo das condições financeiras via juros mais baixos

O presidente Ilan Goldfajn prepara-se para entregar o comando do Banco Central ao neto de Roberto Campos em um momento em que, se o ex-ministro do regime militar ainda estivesse vivo, faria fartos elogios à sua atuação. Afinal Ilan herdou o comando da política monetária no Brasil em uma crise de grandes proporções - como aconteceu em 1965 com Roberto Campos - e encerra seu mandato com uma taxa de inflação muito baixa para nossos padrões históricos e, o que é mais extraordinário, com uma estabilidade estrutural para os próximos dois anos pelo menos.

Mas a parte mais importante do trabalho comandado por Ilan foi a estabilização das expectativas da inflação futura e a volta da confiança na Autoridade Monetária. Isto acontece com um regime de preços livres e com as expectativas do mercado para 2019 a 2021 estabilizadas abaixo do centro da meta. Não me lembro de um período tão longo com este tipo de comportamento dos preços.

Por este desempenho, merece o agradecimento de todos nós e, certamente, vai fazer parte da história do BC. Se a equipe do Plano Real entrou para a história por sua vitória contra a hiperinflação que tomou conta de nossa economia por quase três décadas, a equipe de Ilan vai ser sempre lembrada por ter implantado com sucesso um sistema de metas de inflação. E isto não é pouca coisa em uma sociedade com as características da brasileira e em uma economia ainda muito fechada e com bolsões importantes de oligopólios de preço.

Mas não posso deixar, como analista das coisas da economia brasileira, de fazer algumas qualificações ao período mais recente de Ilan no comando do BC e do Copom. Para usar uma linguagem que hoje faz parte do vocabulário de nós, analistas, quero colocar todas as vênias para Ilan por saber das dificuldades que ele encontrou, mas ele cometeu um erro grave ao longo de 2018. Depois que o processo de redução da Selic aproximou-se do seu final e a gordura que havia no início desapareceu, a gestão da política monetária passou a depender de uma análise mais profunda do chamado hiato do produto. Ou seja, a leitura das condições do ciclo econômico deveria ter assumido o papel mais importante nas análises do Copom como manda a teoria sobre sistemas de metas de inflação.

Mas o Copom passou simultaneamente a olhar outras variáveis - como a situação fiscal e a reforma da previdência - com um protagonismo exagerado, além de estar sempre refletindo o mundo exterior com pessimismo. Em outras palavras, a dimensão da recessão e sua influência sobre mercados importantes na formação da dinâmica de preços foi sempre qualificada por outras variáveis de difícil mensuração e sempre sujeitas a uma volatilidade muito elevada.

Mesmo depois das eleições de outubro, quando o risco político diminuiu, a fragilidade da recuperação da economia e a dimensão do hiato do produto em vários segmentos da economia não foi levado na sua devida consideração. Neste momento, a direção do BC afastou-se dos fundamentos da gestão de um sistema de metas de inflação e passou a trabalhar com leituras hipotéticas de outras variáveis, importantes para a economia, mas não para o funcionamento do sistema de metas.

Ao fazer esta releitura, o Copom trocou variáveis medidas com metodologias conhecidas por meras especulações em relação a um futuro desconhecido. Certamente uma das razões para esta supervalorização das expectativas dos mercados financeiros é o fato de que a quase totalidade dos membros do Copom é originária dele. Outra observação histórica sobre esta questão da posição do ciclo é que as incertezas externas ganham uma dimensão mais importante quando o nível interno de atividade se aproxima do pico, situação que não existia nos últimos meses.

De maneira que terminamos o ano de 2018 com um hiato de quase 20% na indústria manufatureira, de quase 16 % no setor de serviços e um déficit em conta corrente menor do que 1% do PIB. Mesmo em relação ao PIB, tomado o IBC-Br como referência, o hiato em dezembro de 2018 subiu para 6,7%. Estes valores gritam para nos advertir sobre as condições do ciclo econômico e clamar por uma nova rodada de desafogo das condições financeiras via juros mais baixos.

Os últimos dados econômicos relativos a 2018 mostram uma desaceleração importante no último trimestre e que está levando os analistas a revisarem para baixo o crescimento do PIB no ano passado, e por consequência o deste ano. Agora, com a definição dos principais parâmetros da reforma previdenciária que será enviada ao Congresso, um dos mais importantes focos de instabilidade na economia perde força, pois hoje há um consenso entre analistas de que o ganho fiscal, ao longo de 10 anos, será suficiente para estabilizar a questão fiscal e da estabilidade da dívida pública.

Mas a ata da última reunião do Copom fecha a porta para que em sua última reunião - se eventualmente ocorrer - Ilan possa voltar a reduzir a taxa Selic. Esta decisão deverá ficar mesmo para Roberto Campos Neto que assumirá o BC com uma responsabilidade muito grande, pois a volta rápida do crescimento econômico é condição importante para o sucesso da equipe do ministro Paulo Guedes.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

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