Governo Bolsonaro elevar tarifas sobre a importação de leite em pó contradiz discurso de campanha
Os liberais estão no governo, mas ainda têm dificuldades com poder. Evidência disso está na sinalização reversa dada pelo presidente Jair Bolsonaro à abertura da economia, um dos aspectos mais positivos do programa econômico capitaneado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Com uma canetada, Bolsonaro aumentou o imposto de importação do leite em pó. Em seguida celebrou a decisão em comunicado difundido pelas redes sociais. O gesto do presidente é significativo porque, na essência, se choca com os seus compromissos de campanha para um projeto liberal na economia.
Isoladamente, a questão comercial do leite tem pouca relevância. Produtores nacionais haviam pedido proteção ao governo Michel Temer, que, ao seguir o protocolo estabelecido para casos de defesa comercial, concluiu pela improcedência da reivindicação.
Numa leitura benévola pode-se dizer que a habilidade da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em aparente divergência com o ministro Guedes, aplainou o território dos ruralistas e favoreceu o avanço dos projetos governamentais no Congresso —entre eles a prioritária reforma da Previdência. Seria um aspecto positivo, até porque tal indicaria consciência sobre a gravidade da situação fiscal do país.
O outro lado é o da sinalização errática na decisão de aumentar as restrições comerciais. O Brasil é uma das dez maiores economias mundiais, no entanto se alinha ao Sudão no mapa dos que mais se utilizam de tributos e de barreiras administrativas para limitar as importações. São formas de reservar o mercado nacional a produtores domésticos. Há consequências nefastas, porque aumenta o custo das mercadorias para os consumidores e, também, corrói a capacidade de competição das empresas locais.
A ditadura militar escolheu a reserva de mercado em tecnologias de informação. O resultado foi a inércia brasileira na revolução digital que moldou a produção e o comportamento dos consumidores no final do Século XX. Hoje, o país patina com uma indústria obsoleta, limitado ao bloco dos exportadores de produtos primários.
O sinal regressivo na política comercial reforça a impressão de persistência de Bolsonaro na trilha que percorreu durante 28 anos na Câmara, sempre na defesa de interesses corporativistas, nacionalistas e estatizantes. Alimenta dúvidas sobre a consistência da sua anunciada “conversão” ao ideário do liberalismo, como ele mesmo repetiu durante a vitoriosa campanha presidencial. Sugere, ainda, que os liberais alinhados a Paulo Guedes na economia talvez tenham subestimado o poder político na execução de suas propostas para mudanças estruturais.
Será melhor para o país se houver sido apenas, e tão somente, um “soluço” político do governo ainda em consolidação.
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