- Folha de S. Paulo
É preciso reconhecer e corrigir os problemas reais da imprensa, das universidades e das artes
As instituições de reprodução de valores estão sob ataque. O jornalismo, a ciência e as artes viraram campos de batalha das guerras culturais. Conservadores —e às vezes também progressistas— têm explorado deficiências estruturais dessas instituições para destruí-las. Mas sua defesa só vai ser efetiva se os problemas apontados forem enfrentados.
A crítica antielitista persuade porque parte de um diagnóstico certeiro.
A imprensa não tem separado com resolução a reportagem das posições editoriais dos veículos, nem sempre tem tido o cuidado de publicar apenas o que foi apurado com rigor e não tem perseguido com o devido empenho o equilíbrio na apresentação dos fatos.
As universidades, por sua vez, não têm se esforçado em traduzir e difundir suas descobertas para um público mais amplo, rompendo com o hermetismo do jargão tecnicista, também não têm garantido a pluralidade de correntes em muitas disciplinas e muitas vezes têm se mostrado refém do poder econômico e político dos financiadores de pesquisa.
As artes, por fim, estão cada vez mais concentradas em dinâmicas endógenas, com circuitos de apresentações e exibições formados apenas por praticantes, ex-praticantes e aspirantes, que se apoiam no financiamento público e na autonomia da linguagem para não fazer qualquer esforço para se comunicar com o público não iniciado.
São essas deficiências, muitas vezes reconhecidas, que abrem brechas para um ataque populista, que não quer aperfeiçoar, mas destruir as instituições.
Se a produção científica sofre influência indevida de financiadores e de correntes teóricas específicas, não haveria diferença epistemológica entre opiniões persuasivas no YouTube e o conhecimento metodologicamente validado.
Se o jornalismo sofre influência da posição editorial dos proprietários, ele não se diferenciaria da agitação militante dos sites hiperpartidários.
E, se as artes não estão se comunicando com o público que as financiam, sua contribuição para o desenvolvimento simbólico poderia ser sumariamente dispensada.
O antielitismo populista não quer que o jornalismo seja bem apurado, equilibrado e plural, que as artes se reconectem com o público e que a ciência se popularize e aumente sua independência e rigor.
Tudo o que os populistas querem é eliminar o risco que essas instituições trazem para seu projeto político, o fato de que a imprensa fiscaliza suas ações, a ciência contesta suas convicções e as artes desafiam os costumes. Se quisermos que esses contrapontos sigam vigentes, o momento é de reconhecer erros e promover reformas, na velocidade dos acontecimentos.
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