Na eleição do Senado, quem perdeu não entendeu a mudança no ambiente da política; quem ganhou ignorou a necessidade de obedecer ao rito legal
Um oligarca incapaz de compreender a mudança na atmosfera política chocou-se com um grupo disposto a atropelar o devido processo legal para atingir os seus objetivos de poder. Assim foi a eleição para presidente do Senado Federal.
O sempiterno senador Renan Calheiros (MDB-AL), quando tricotou sua quinta candidatura à chefia da Casa, decerto entendeu que seria mais um passeio no bosque encantado dos conchavos de sempre, que fizeram das disputas anteriores meras coreografias de um roteiro previamente acertado.
Bastava adaptar-se à tonalidade do discurso do governo federal, deixar para trás a estampa de aliado do intervencionismo petista e inaugurar uma face reformista e liberal, raciocinou Renan.
Do antigo figurino, guardou o hábito de insinuar proteção a quem, como o senador investigado Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), poderá precisar disso. Também manteve indômito o instinto de ameaçar deixar a pão e água quem, como a senadora Simone Tebet (MDB-MS), desafiou o seu mando no partido.
O velho cacique não captou o processo tectônico de substituição de gerações, maiorias e expectativas ocorrido na última eleição, do qual foi uma das exceções. O Senado que tomou posse em 1º de fevereiro era bastante diverso do que terminara um ciclo no dia anterior.
E diverso também num sentido preocupante —a julgar pelas manifestações do grupo entrante, em conúbio com senadores veteranos adversários de Renan Calheiros.
Davi Alcolumbre (DEM-AP) usurpou a cadeira de presidente da sessão preparatória para a disputa à base de esperteza e intimidação. Organizou votação ilegal, que alterava o regimento fixando voto aberto, e afastou um servidor.
Fez tudo isso com o poder que nunca teve. Candidatos estão impedidos de chefiar processos eletivos de que são parte, por óbvio conflito de interesse. A sessão para escolher a Mesa do Senado não tem prerrogativa de deliberar sobre nada além da eleição.
Provocado pelo Solidariedade e pelo MDB, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, restabeleceu a ordem jurídica que havia sido violada. Renan Calheiros foi buscar o remédio na mesma corte constitucional que havia afrontado em 2016, quando se recusou a cumprir uma decisão que o afastava do comando do Senado.
Desta vez, felizmente, os senadores não fizeram como Renan, acataram o mandamento do tribunal e —não sem patrocinar atos adicionais de confusão— escolheram Alcolumbre por 42 dos 81 votos.
Deu-se mal quem não entendeu a passagem do tempo. Começam mal alguns arautos da renovação ao adotarem o caminho da truculência e do arbítrio para exercer o poder da maioria. Há um longo e necessário aprendizado à frente.
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