- Folha de S. Paulo
Se no âmbito político os obstáculos já são grandes, em relação ao Judiciário podem ser intransponíveis
A proposta de alteração legislativa apresentada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, prevê uma série de mudanças no Código Penal, no Código de Processo Penal e em mais de uma dezena de outras leis penais.
Cogita-se que, em breve, tal proposta será enviada ao Congresso Nacional, onde deverá ser debatida na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, podendo sofrer significativas alterações.
Além do óbvio desafio de mobilizar uma base governamental, a aprovação da proposta de Moro pode encontrar uma dificuldade a mais no Congresso Nacional, já que parte das medidas já foi objeto de debate pelo Legislativo.
Ou são contrárias a legislações aprovadas recentemente pelos parlamentares, como as regras sobre colaboração premiada e sobre organizações criminosas, ou procuram requentar propostas que foram desprezadas, como a criminalização do caixa dois e alteração das regras de prescrição, que constavam das medidas contra corrupção encabeçadas pelo Ministério Público.
Se no âmbito político os obstáculos já são grandes, no âmbito do Judiciário podem ser intransponíveis: apesar de se apresentarem como novidade, grande parte das medidas propostas pelo ministro Moro se relaciona com temas já debatidos e considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Por exemplo, a vedação da progressão de regime prisional foi julgada contrária à garantia constitucional de individualização da pena, no célebre caso sobre a lei de crimes hediondos.
Da mesma forma, a impossibilidade de concessão de liberdade provisória (ou de medidas cautelares) foi considerada inconstitucional por violar a presunção de inocência e o devido processo legal, quando o STF julgou as penas impostas pelo Estatuto do Desarmamento.
O flagrante preparado, chamado de "introdução de agente encoberto" na proposta, foi julgado inconstitucional tantas vezes que gerou até edição de súmula pelo STF.
Além dessas, outras ações que dialogam com as propostas de Moro foram recentemente julgadas no Supremo.
O tribunal afastou o controle judicial prévio da negociação das colaborações premiadas; impediu que tribunais e juízes de primeira instância desmembrassem processos de réus com prerrogativa de foro por função; negou a execução provisória de pena restritiva de direitos e delimitou temporalmente a interceptação telefônica ao estrito período de autorização judicial. Todos indicam, a priori, posições contrárias às defendidas por Moro.
Um outro tema deve em breve entrar para a longa lista de medidas propostas por Moro e deliberadas pelo Supremo: trata-se da prisão após condenação em segunda instância, cujo julgamento está marcado para abril.
Algumas medidas, caso aprovadas, possuem grandes chances de provocarem reação do Judiciário, como a gravação de conversas entre advogados e seus clientes e a coleta de DNA de acusados.
Outras podem levar o país a também ser condenado internacionalmente: o afrouxamento do controle sobre a atividade policial e a flexibilização da legítima defesa podem ser considerados inventivos à prática de execuções sumárias, ou seja, "pró crime".
Como um todo, ao estimular o encarceramento provisório, restringir os direitos de defesa e diminuir o controle sobre a atividade investigatória e policial, a proposta de Moro encontra resistências em diversos e numerosos casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal a que teoricamente estaria vinculado, além de encontrar limites na própria Constituição que adotou um sistema exigente e robusto de garantias processuais.
*Eloisa Machado de Almeida é professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP
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