A divulgação da proposta de aposentadoria dos militares na semana passada, que veio junto com uma reestruturação das carreiras das Forças Armadas, adicionou o ingrediente que faltava para que a discussão sobre a reforma da Previdência atingisse o ponto de ebulição. O assunto já mobiliza corações e mentes.
Não se pode desconhecer que há distorções graves na remuneração dos militares que precisam ser corrigidas. Hoje, um general recebe menos que um servidor civil em início de algumas das carreiras. É indispensável ainda que se reconheça as peculiaridades das atividades militares, como disponibilidade permanente e dedicação exclusiva.
Mas é preciso questionar se o momento de corrigir todas as distorções existentes é este, justamente quando o governo está exigindo um sacrifício bastante duro dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores públicos civis.
Pelo que foi divulgado, a economia que será obtida em dez anos com a reforma das aposentadorias dos militares, estimada em R$ 97,3 bilhões, será quase toda consumida pela reestruturação das carreiras das Forças Armadas, cujo gasto foi previsto em R$ 86,85 bilhões. Em termos líquidos, a economia será, portanto, de apenas R$ 10,45 bilhões. Este será o ganho fiscal com a proposta.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, estabeleceu como meta para a reforma do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência dos Servidores da União (RPPS) um ganho fiscal de mais de R$ 1 trilhão. Comparando-se os valores, a contribuição dos militares para o ajuste das contas da União será, portanto, pequena, para não dizer irrelevante.
Não é apenas a diferença do ganho fiscal que chama a atenção. Os militares continuarão a ter, ao passar para a reserva, vantagens bem maiores do que os funcionários civis que ingressarem no serviço público e os trabalhadores da iniciativa privada ao se aposentar, o que desmonta o anúncio oficial de que não haveria mais privilégios na "Nova Previdência".
Ao passar para a reserva, os militares terão direito ao salário da ativa e aos reajustes futuros concedidos aos militares da ativa - no jargão técnico, eles continuarão tendo direito à integralidade e à paridade. Apenas os funcionários civis que ingressaram no serviço público antes de 2003 terão o mesmo direito, desde que trabalhem até os 65 anos, se homem, e 62 anos, se mulher.
Quem ingressou no serviço público depois de 2003 não terá direito à integralidade e à paridade. Aqueles que ingressarem depois da reforma terão seu benefício limitado ao teto do INSS, tendo que contribuir para fundo de pensão da União, se servidor, ou fundos privados, no caso dos demais trabalhadores.
Isto significa que ministros do Supremo Tribunal Federal, membros do Ministério Público ou outro servidor de carreiras de Estado não terão, no futuro, o mesmo privilégio que está sendo mantido para os militares.
A mesma desigualdade ocorrerá em relação à pensão por morte. Se a proposta de emenda constitucional (PEC) 6/2019, enviada pelo governo à Câmara dos Deputados, for aprovada, a pensão do servidor, que ingressou na administração pública após a reforma, será equivalente a 60% de seu benefício, mais 10% por dependente. A pensão por morte deixada pelo militar será equivalente a 100% do seu benefício, descontada a contribuição que passa a incidir.
A alíquota de contribuição para a aposentadoria será, no caso dos militares, de apenas 10,5%, enquanto que, para os servidores civis da União, a alíquota será progressiva e, para algumas faixas salariais, poderá chegar a 22%.
Embora acalorada, a discussão sobre a reforma da Previdência apenas começou. E para que ela chegue a um bom termo é necessário que o governo seja o mais transparente possível, apresentando dados sobre a economia que será obtida com cada item a ser alterado e projeções detalhadas para o futuro. Até agora, apenas a Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado, brindou o público com estimativas para algumas das alterações propostas pelo governo.
Não foi divulgado, por exemplo, qual será o aumento médio da remuneração dos militares com a reestruturação das carreiras. Também não é conhecido em quanto estará o déficit do sistema de proteção social dos militares daqui a 10 anos. No ano passado, o déficit foi de R$ 43,9 bilhões, de acordo com o Tesouro Nacional.
Não é possível fazer uma discussão séria sem que todos esses dados sejam conhecidos.
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