- Folha de S. Paulo
O sonho bolsonarista é uma sequência de crises que enfraqueçam as instituições
A força-tarefa da Lava Jato sempre fez política. No começo, o adversário era o PT, onde há mesmo muita gente que gostaria de ter parado a operação. Depois do impeachment, a Lava Jato perdeu a briga para o acordão de Temer e sofreu derrotas sucessivas. Ao menos alguns de seus membros parecem ter visto em Bolsonaro a possibilidade de virar de novo o placar.
Se foi isso, vão ter que seguir na briga sem o apoio dos democratas brasileiros.
Dez dias atrás, o STF resolveu que processos envolvendo caixa dois seriam julgados pela Justiça Eleitoral. A turma da Lava Jato protestou, porque a Justiça Eleitoral não tem estrutura para dar conta desses casos.
Não sou advogado, não sei se a decisão do STF tem amparo legal, mas os efeitos práticos parecem mesmo ser os que os procuradores da Lava Jato alegam. Achei a decisão do STF ruim, portanto.
Bom, poucos dias depois houve uma passeata contra a decisão. Nem pensei em comparecer, e torci para que o ato fosse o fracasso que foi. Por quê?
Durante a sessão do STF, os bolsonaristas, como sempre fazem, surfaram a onda de indignação popular para transformá-la em ataque à democracia. Subiram a hashtag #Umsoldadoeumcabo, referência ao discurso de Eduardo Bolsonaro defendendo o fechamento do Supremo.
Agora me digam, membros da força-tarefa; me diga, Moro: eu devo ir a passeatas com esses caras?
Em seu já clássico artigo sobre a operação Mãos Limpas, Sergio Moro enfatizou o papel importantíssimo da imprensa no combate à corrupção. E a Lava Jato não teria sido nada sem apoio da mídia.
Mas qual mídia deve apoiá-los agora, procuradores?; qual mídia, Moro?
A Folha, contra quem Bolsonaro declarou guerra no dia seguinte à vitória? A Globo, a quem Bolsonaro se refere como "o inimigo"? O Estadão, cujos jornalistas são perseguidos pela bolsosfera da maneira mais imunda possível? Nem o site O Antagonista, que apoiou Bolsonaro com entusiasmo, escapou da ira dos cruzados de videogame.
E não, procuradores; não, Moro: não é porque a mídia seja de esquerda. É porque a mídia denunciou os esquemas de corrupção de Bolsonaro.
Finalmente, nos últimos dias, Bolsonaro escalou o conflito com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Os bolsonaristas atacaram Maia como representante da "velha política".
Se você acha que Bolsonaro pretende governar como um democrata, foi um episódio de insanidade: Rodrigo Maia trabalhava pela aprovação da reforma da Previdência enquanto o resto do governo brincava de Olavo.
Eu não acho que tenha sido um episódio de insanidade.
Bolsonaro quer conflitos com o Congresso, quer conflitos com o Supremo. O cenário de sonhos para o autoritarismo bolsonarista é uma sequência de crises com as instituições que as enfraqueçam enquanto ele mente que está defendendo a ética.
Procuradores, Moro, Guedes: Rodrigo Maia deve trabalhar com o mesmo entusiasmo para gerar crescimento econômico (e, portanto, popularidade) para um presidente que quer fechar a instituição que ele preside?
Bolsonaro quer, no fundo, que a Lava Jato desempenhe o papel que ocupa no discurso dos petistas radicais: o de coveiros da democracia brasileira. É hora de a força-tarefa começar a deixar claro que não topa.
*Celso Rocha de Barros, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Um comentário:
UAu, Celso de B arros fingindo que não é o que sempre foi? Fascinante...
MAM
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