Teses do novo chanceler afrontam o pragmatismo e o multilateralismo com que o Itamaraty precisa agir
A opção de Jair Bolsonaro pelo embaixador pouco experiente Ernesto Araújo para ser ministro das Relações Exteriores podia ser entendida como um saudável interesse pela renovação. Sem nunca ter chefiado uma embaixada, nada impedia que Araújo pudesse levar novos e bem-vindos ares ao Itamaraty.
O secular ministério, como toda instituição do tipo, tem ritos e liturgias. Vários foram quebrados com a ascensão de Ernesto Araújo. Mas o problema mesmo são as teses que o novo chanceler tem defendido. Ao ser anunciado, houve a natural busca por informações sobre o perfil do futuro chanceler, e as que foram levantadas não se mostraram animadoras.
Pelos textos publicados nas redes sociais e fora delas, Araújo se alinha ao conservadorismo religioso em que o presidente americano Donald Trump se sustenta. Em si, nenhum problema. Mas o chanceler demonstrou professar uma visão de mundo do trumpismo, que dificilmente desbancará os Estados Unidos da posição hegemônica que ocupa. Porém, aplicada ao Brasil, país com mazelas decorrentes de uma cultura atávica de fechamento ao exterior, poderá ser trágica, atrasando ainda mais a modernização de sua economia.
Em aula magna, segunda-feira, a alunos do Instituto Rio Branco, onde se formam diplomatas, o chanceler fez críticas corretas. Como ao terceiro-mundismo e ao antiamericanismo, marcas dos governos lulopetistas. Os prejuízos ao Brasil são conhecidos.
Mas o ministro também investiu contra aspectos positivos da política externa do Estado brasileiro. O Itamaraty construiu imagem consistente de uma instituição assentada em alguns princípios sólidos. O multilateralismo e o pragmatismo são dois deles. Além da não beligerância.
Araújo considera um erro que os Estado Unidos tenham deixado de ser o principal parceiro do Brasil.
Houve, de fato, no ciclo petista, descuidos com o maior mercado importador do planeta. Não se podia, porém, deixar de estabelecer laços fortes com a China, à medida que este país evoluía para ser a segunda economia do mundo.
E foram as importações chinesas de matérias-primas que permitiram ao Brasil resgatar sua dívida externa. Uma postura inteligente, não ideológica, é manter desobstruído este canal de comércio. Se toda esta visão isolacionista for misturada com preceitos religiosos — a “fé cristã”, segundo o ministro, passa a ser um dos valores da política externa —, os espaços para a diplomacia brasileira se estreitarão.
Os chamados “interesses de Estado” dependerão de ideologia e crenças. Ficará apenas como lembrança a decisão do presidente Geisel, um general, ainda na ditadura, de reconhecer o novo governo de Angola, do MPLA, apoiado por tropas cubanas. E era o melhor para o Brasil, como ficou provado.
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