sábado, 2 de março de 2019

Pedras da lei: Editorial | Folha de S. Paulo

Ao retirar da Constituição a maioria das regras da Previdência, reforma facilita ajustes no futuro

Se o Congresso aprovar a reforma da Previdência nos termos propostos pelo governo Jair Bolsonaro (PSL), será muito mais fácil mexer nas regras do sistema na próxima vez em que for necessário.

O projeto retira do texto da Constituição a maioria dos dispositivos que regulamentam o acesso aos benefícios previdenciários, o seu cálculo e a forma de reajustá-los.

O plano do governo é fixar normas gerais na Carta e deixar os detalhes para leis complementares, que seriam discutidas no Congresso após a aprovação da reforma.

Até a garantia de que o valor real de pensões e aposentadorias será preservado, hoje inscrita no texto constitucional, desapareceria.

Para o governo, a vantagem estaria na flexibilidade adquirida para rever as regras do sistema sempre que mudanças na economia e no mercado de trabalho o exigirem.

Para mudar qualquer coisa na Constituição, é preciso assegurar o apoio de 308 deputados federais e 49 senadores em duas votações na Câmara e outras duas no Senado.

Modificar uma lei complementar requer esforço político bem menor. Bastam 257 deputados e 41 senadores e apenas uma votação no Senado e duas na Câmara.

Tudo indica que o envelhecimento da população tornará necessários novos ajustes para preservar o equilíbrio da Previdência no futuro, mesmo se o Legislativo aprovar as mudanças em debate agora.

A proposta do governo permite que isso seja feito com mais facilidade. Os critérios para elevar a idade mínima para aposentadoria e as regras do sistema de capitalização defendido pela equipe de Bolsonaro também seriam estabelecidos por leis complementares.

Teme-se o que pode ocorrer sem as proteções atuais. Sem obrigação de manter o valor real das pensões, o governo ficaria livre para adotar fórmulas de reajuste que prejudicariam os aposentados, em tese.

Mas o Executivo também corre riscos com a estratégia escolhida. Ficaria mais fácil para opositores de eventuais mudanças angariar votos para preservar privilégios.

A opção feita por Bolsonaro também abriu caminho para discussões inconvenientes, que nada têm a ver com a reforma da Previdência, mas podem tumultuar o ambiente em que ela será discutida.

Ao eliminar parâmetros estabelecidos pela Carta para definição da idade em que servidores públicos são obrigados a se aposentar, hoje 75 anos, a proposta gerou dúvidas sobre as intenções do presidente.

A medida permitiria sua redução para 70 anos, ou até menos, o que obrigaria vários ministros do Supremo Tribunal Federal a sair e daria a Bolsonaro a chance de nomear seus substitutos na corte.

Seria certamente um subproduto indesejável da reforma —e, além de tudo, em nada contribuiria para equilibrar as contas da Previdência.

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