A notícia parece animadora, mas ninguém deve iludir-se com o superávit primário de R$ 46,9 bilhões obtido em janeiro pelo setor público. As contas continuam desarrumadas, o governo geral permanece muito endividado e ajustes e reformas seguem no topo da agenda. Saldos positivos são normais nesse período, e o deste ano é praticamente igual ao de janeiro de 2018. O conjunto do setor público é formado pelos governos central e dos Estados, pelas prefeituras e pela maioria das estatais (Petrobrás e Eletrobrás ficam fora).
Ressalva importante: o saldo primário reflete a operação rotineira do setor público, sem contar os juros. Incluindo-se na conta os encargos financeiros, obtém-se o chamado resultado nominal, muito menos bonito. Em janeiro, esse resultado foi um déficit de R$ 26 bilhões, bem maior que o de um ano antes, R$ 18,7 bilhões, segundo relatório publicado mensalmente pelo Banco Central (BC).
Mas a avaliação fica bem mais clara, e realista, quando se observa o valor acumulado em 12 meses. O déficit nominal, nesse caso, chega a R$ 480 bilhões, equivalentes a 6,95% do Produto Interno Bruto (PIB). No final de 2018 esse resultado ficou em 7,1% do PIB, enquanto a média estimada para países emergentes e de renda média ficou perto de 4%.
Também por outros critérios a situação das contas públicas brasileiras é bem mais complicada que a condição média dos emergentes e também da maior parte dos países desenvolvidos. A dívida bruta do governo geral correspondeu em janeiro a 76,7% do PIB, mesmo nível de dezembro. Novamente a comparação é relevante. Pelo critério do Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida bruta dos países da categoria do Brasil ficou em 2018 em 50,7% do PIB. A brasileira chegou a 88,4%.
O cálculo do FMI, diferente do usado em Brasília, inclui papéis do Tesouro na carteira do Banco Central. Como o mesmo critério é usado para as contas de todos os países-membros, a tabela do FMI facilita as comparações. Mesmo admitindo um possível exagero na estimativa do caso brasileiro, a enorme diferença entre as situações é indisfarçável.
A perspectiva de 12 meses também facilita a percepção de grandes focos de problemas. Em janeiro, o governo central – Tesouro, Banco Central e INSS – teve superávit primário de R$ 35,6 bilhões, em valor arredondado. Para obter esse número é preciso levar em conta o resultado positivo do Tesouro e do BC, R$ 49,3 bilhões, e o déficit da Previdência, R$ 13,8 bilhões. Mas, quando se tomam valores acumulados num período anual, o quadro piora consideravelmente.
Consideradas as cifras de 12 meses, o Tesouro continua superavitário, com saldo positivo de R$ 77,7 bilhões, e o BC tem saldo negativo de apenas R$ 487 milhões, mas o déficit do INSS chega a R$ 194,3 bilhões. Como consequência, o governo central acumula no período um saldo primário negativo de R$ 109,3 bilhões. Não há como cobrir o rombo enorme e sempre crescente da Previdência.
O Tesouro Nacional tem sido regularmente superavitário, nos últimos anos. O saldo das operações do BC oscila entre valores negativos e positivos, de acordo com suas intervenções no mercado. Mas o resultado pouco afeta o conjunto das contas do poder central.
O resultado positivo do Tesouro tem refletido o aumento de arrecadação produzido pela reativação econômica a partir de 2017, os esforços de contenção de gastos e, em vários momentos, o efeito de privatizações e de renegociações de dívidas de contribuintes.
Graças ao esforço de ajuste realizado a partir do governo do presidente Michel Temer, o governo central tem obtido resultados melhores que as metas do déficit primário. Mas esse esforço é parcialmente anulado pelo continuado avanço dos gastos obrigatórios, principalmente da Previdência.
Diante do aumento das despesas obrigatórias, resta ao governo atenuar o desajuste cortando os chamados gastos discricionários. Esse conjunto inclui os investimentos e uma parcela dos itens necessários ao funcionamento do setor público. Não há como negar a urgência da reforma previdenciária quando se tem um conhecimento razoável dos números.
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