- O Globo
Não há melhor momento para dar uma virada do que na Páscoa. Passadas as reflexões e homenagens que se faz durante a celebração do martírio e da morte de Cristo, comemora-se hoje o renascimento, a sobrevida, a virada. Os ovos de Páscoa distribuídos nesse dia guardam o simbolismo do nascimento e da vida na cultura cristã, que toca 86,8% dos brasileiros, segundo o Censo de 2010 do IBGE.
Milhões de cristãos em todo o país, os que de fato guardam fé em seus corações, julgam ser esta a data mais adequada para mudar, mudar para melhor. Muitos enfrentam a quaresma como uma etapa de sacrifício e purificação que culmina no domingo do renascimento.
Um governo que teve em seu lema eleitoral a expressão “Deus acima de todos” poderia comungar dessa ideia e apostar numa virada a partir de agora. Não custa jurar diante do Altíssimo que se quer errar o menos possível. Não há nada mais puro do que a promessa de que se vai buscar o acerto e consultar aqueles que sabem mais sempre que se for tomar uma decisão importante, que mexa com a vida de pessoas, empresas ou instituições.
Os cristãos sabem muito bem que o perdão se obtém quando o remorso for genuíno e o coração estiver limpo. O presidente, que pelas razões que se conhece perdeu mais de 15% da sua popularidade em três meses de governo, ainda tem boas chances de recuperar o seu prestígio. Para isso, precisa mudar. Mudar para melhor. Essa é a hora. Jair Bolsonaro não precisa mudar de lado, nem abandonar as plataformas com as quais foi eleito. Pelo contrário, se fizesse isso estaria cometendo uma ofensa ainda maior. Seria aquilo que hoje em dia se chama estelionato eleitoral. Precisa apenas de humildade e honestidade para expiar eventuais culpas ou pecados, que é o que se espera de todo penitente.
O primeiro imperativo de qualquer mandatário é respeitar as regras pelas quais foi eleito, respeitar os eleitores que o elegeram e também os que votaram em seus adversários. Respeitar todos os cidadãos igualmente, civis e militares. E buscar incessantemente honrar seu juramento de posse. “Manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”.
Respeitar a Constituição e as leis é obrigatório. Nenhum presidente do Brasil se manteria no poder se atropelasse os códigos legais. Dois já caíram por contrariar esta razão. Um deles, Fernando Collor, foi eleito por um turbilhão de votos parecido com o de Bolsonaro. E caiu. Ninguém é maior que a Constituição e as leis no país. Nem Bolsonaro. Nem Lula, que está preso. Nem dom Raymundo Damasceno, arcebispo emérito de Aparecida.
O mais difícil é promover o bem geral do povo brasileiro. E é essa parte do juramento feito por todos os presidentes que os cidadãos aguardam daqueles que mandam para o Planalto. O resto é default.
Se não der certo agora, restará ao presidente o Aseret Yemei Teshuvá, que são os dez dias de arrependimento que começam no primeiro dia do ano novo judaico. O que seria bastante digno também, já que todos sabem do amor de Bolsonaro por Israel. Durante esses dias, os judeus praticam o Teshuvá, que significa arrependimento ou retorno, quando examinam as suas próprias ações, julgam e arrependem-se de erros cometidos contra Deus e contra o próximo.
O problema é que o ano novo judaico só começa no dia 29 de setembro, e aí pode ser tarde demais para renascer ou retornar.
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