- O Estado de S.Paulo
O apoio de Bolsonaro à reforma tem sido limitado. Sem fazer política, não vai dar certo.
Após a eleição, as expectativas dos produtores e consumidores, famílias e empresas melhoraram de forma notável, refletindo a percepção de que tínhamos uma oportunidade única para retomar o crescimento sustentável, o que sempre nos pareceu correto.
Muitas coisas avançaram nos últimos anos: inflação ancorada firmemente abaixo da meta, os juros mais baixos da história da Selic, um setor externo muito robusto e muitas empresas ajustadas.
Além disso, houve grande avanço na percepção de que a crise fiscal ficou insustentável (basta olhar a situação de muitos estados) e a reforma da Previdência se tornou indispensável como início de várias mudanças na área fiscal.
Em terceiro lugar, o investimento necessário para a retomada do crescimento só ocorrerá com o capital privado atuando em projetos de infraestrutura que, incidentalmente, serão fundamentais para a melhoria do mercado de trabalho. Por esse caminho, poderíamos voltar a crescer.
Entretanto, desde o primeiro momento, chamamos a atenção para duas questões importantes: a falta de experiência de governo do presidente e de seus principais ministros já indicava que haveria, necessariamente, uma curva de aprendizado que cobraria um preço.
Ao mesmo tempo, o ministro Paulo Guedes começou a construir um ambicioso programa liberal. Ora, a história indicava que o presidente nunca havia tido essa visão de mundo. Ao contrário, sempre fora praticante de um nacionalismo e de um corporativismo. Logo, como conviveriam essas duas visões?
O ano começou animado e, em meados de março, a Bolsa atingiu os 100 mil pontos. A boa equipe organizada por Paulo Guedes, o envio de uma ampla proposta de reforma da Previdência ao Congresso, o sucesso dos leilões de infraestrutura (que mostram que o ministro da área é muito bom) e o bom entrosamento entre Guedes e o presidente da Câmara dos Deputados embalaram esse movimento.
Entretanto, e com boas razões, esse otimismo e as previsões de crescimento estão sendo revistas.
A atividade econômica, como se sabe, foi bem fraca no final do ano passado. Isso continuou no início do ano, fato mostrado pela queda de 0,73% do IBC-BR em fevereiro. Os mercados de bens não duráveis estão fracos e a construção civil continua sem decolar, apesar de tímidas indicações de alguma melhora. Em geral, os analistas, incluindo a MB, estão estimando que o PIB do primeiro trimestre pouco evoluiu em relação àquele do final do ano. Até números negativos são possíveis.
A desorganização do governo é enorme, especialmente nas áreas em que as escolhas das pessoas foram balizadas por razões ideológicas. O aprendizado vai cobrar mesmo um preço bem elevado. Essa desorganização se estende à ação no Congresso.
Ao mesmo tempo, o apoio de Bolsonaro à reforma tem sido muito limitado. Diz ele que o problema agora é do Congresso. Ora, é evidente que sem fazer política não vai dar certo. A fragilidade da liderança governista está à vista de todos com os fatos ocorridos nesta semana. Além disso, o presidente já entregou, antes do início da negociação, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural. Finalmente, admitiu que a reestruturação da carreira dos militares fosse feita junto com a reforma, o que anula a mensagem de que todo mundo vai se sacrificar um pouco no processo.
O caso Petrobrás foi um banho de água gelada. Já havia ocorrido outros eventos de intervenção direta na política econômica, mas esse foi muito emblemático, não apenas porque se deu num momento em que o ministro e o presidente da empresa estavam nos Estados Unidos, mas também pelo estrago que poderá causar à recuperação da companhia. A tentativa de mostrar que não houve nenhuma intervenção não é crível para a imensa maioria dos observadores.
O crescimento do ano, que já estava sendo revisto, vai agora se consolidar, vindo da faixa de 2,5%/3% para 1,0%/1,5%. A propósito, este último número é o da MB.
Ainda poderemos ter crescimento em 2020, dependendo do que for aprovado no Congresso. Mas isso é uma história para outro dia. Do ponto de vista do PIB, o ano está perdido. Salvam-se apenas agronegócio, petróleo e setor automotivo.
*Economista e sócio da MB Associados.
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