- Folha de S. Paulo
Mandatário brasileiro é partidariamente fraco à frente de uma Presidência institucionalmente forte
O debate do governo Bolsonaro trivializa o dilema estrutural em que está envolvido e que é comum a todos os líderes populistas: ascendem ao poder ancorados em virulenta retórica antissistema, mas têm que governar segundo as instituições existentes. Elas serão decisivas.
Apenas no Brasil o populista enfrenta teste inusitado: a retórica majoritária esbarra em colossal fragmentação partidária.
O PSL de Bolsonaro tem apenas 10,5% das cadeiras parlamentares (ante 13,5% do PT sob Dilma e 19,2% do PSDB sob FHC no segundo mandato), e a identificação partidária é baixíssima: só 34,4% do eleitorado tem preferência por um partido.
Sob o multipartidarismo o instrumento universal na montagem da coalizão de apoio é a distribuição de ministérios. Mas a retórica antipartido desvaloriza-o —no limite o inviabiliza.
Sob o bipartidarismo a dinâmica muda. Ao conquistar a disputa interna no seu partido, Trump recebeu os votos de 88% dos que apoiavam o Partido Republicano. O partido também teve maioria nas duas casas do Congresso na primeira metade de seu mandato.
A retórica antissistema de Trump não implicou nenhum dilema na montagem do governo. Ademais, na prática, é vedado ao presidente americano nomear membros do Congresso como ministros (há exceções explicáveis pela manobra conhecida como “saxbe fix”).
A situação se inverte no caso de um líder populista em países que adotam o modelo de Westminster, como o Reino Unido (e mais 23 outros países): teriam obrigatoriamente que nomear parlamentares como ministros. (A lógica estritamente partidária explica, por exemplo, nomeações de inúmeros parlamentares não economistas —ou que nem sequer tinham curso superior, como John Major— para ministros da Fazenda daquele país).
Trump é partidariamente forte, mas está à frente de uma Presidência institucionalmente fraca: não tem iniciativa legislativa exclusiva; seu veto é total, não parcial; não pode emitir medidas provisórias; não tem poderes de agenda que lhe garanta preponderância no processo legislativo; enfrenta comissões congressuais com extensos poderes terminativos; seus poderes sobre o Orçamento são escassos.
O veto presidencial é muito mais difícil de ser derrubado nos EUA: o quórum é dois terços, mas apenas maioria absoluta entre nós. Lá, o Congresso tem força para impor derrotas aos Executivo, mas não para impor sua vontade derrubando o veto presidencial. O resultado é “gridlock” (impasse) recorrente, situação rara no Brasil.
Bolsonaro é partidariamente fraco à frente de uma Presidência forte, que vem buscando fazer a quadratura do círculo. Como renegar o jogo e suas regras e simultaneamente participar dele?
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Nenhum comentário:
Postar um comentário