A militância bolsonarista nas redes sociais, que hostiliza o que chama de “velha política” – uma miscelânea de fisiologismo, compadrio e corrupção –, antagoniza quem poderia apoiar o governo. Sem ser contida pelo seu líder, que, ao contrário, a atiça, mesclando palavras de ordem à comunicação oficial do governo, essa militância prejudica os esforços de entendimento feitos para obter apoio no Congresso.
É o que revela uma pesquisa da Diretoria de Análises de Políticas Públicas da FGV do Rio de Janeiro. Segundo o seu coordenador, Marco Aurélio Ruediger, pela primeira vez desde setembro percebeu-se nas redes uma fissura do campo da centro-direita. “Qualquer negociação é vista como algo nocivo, quando deveria ser o contrário”, disse Ruediger. “Quando as matilhas nas redes atacam determinados personagens que são chave nos processos políticos, isso bloqueia a possibilidade de sucesso da própria pauta que o governo propõe.”
O entrevero entre o presidente da República e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em fins de março, foi paradigmático. Irritado com comentários depreciativos de Carlos Bolsonaro nas redes sociais, Maia ameaçou deixar a articulação da reforma, acusando o governo de “terceirizar” suas responsabilidades. Após dias de turbulência, Bolsonaro fez um gesto conciliatório, convidando presidentes de diversos partidos para uma reunião. Ato contínuo, o mesmo Carlos – o coordenador das redes sociais do pai – tuitou: “Se o presidente Bolsonaro não tivesse a população a seu lado este assunto jamais seria tratado como está sendo. É nítido que a pressão popular faz a ‘situação’ agir assim. Por isso o sistema corrupto insiste tanto em desgastá-lo e transformá-lo em mais um boneco de ventríloquo”.
As redes bolsonaristas estão saturadas desse tipo de insinuações e sarcasmos indiscriminados contra as elites políticas que tentam sufocar o clamor popular encarnado em Bolsonaro e seus puros: a “nova política”. O resultado, como mostra a pesquisa, é que os parlamentares de centro, já desarticulados em relação à reforma, estão ainda menos engajados – não sem uma omissão culposa sua – em debatê-la nas redes sociais.
Cabe ao governo deixar clara a distinção entre o que é oficial e o que é manifestação dos eleitores. Bolsonaro já disse que não tem como conter os seguidores mais exaltados, o que é falso: ninguém pode obrigá-los a nada, mas ele tem meios de repreendê-los, como faz fartamente com os que o contrariam. Não é possível, por exemplo, usar um canal oficial de comunicação para divulgar um panegírico do golpe de 64, ou então a conta oficial do presidente para atacar adversários e a imprensa. Isso é o que faria a militância, não o governo.
Apesar da autossabotagem, o apoio à reforma entre os 513 deputados tem crescido, e hoje 190 se declaram a favor, ante 113 contra. Mas há trabalho à frente, já que a aprovação depende de 308 votos – além de 49 senadores, caso o projeto chegue ao Senado. Tampouco o governo tem o apoio necessário da população. Segundo pesquisa do Datafolha, 51% dos brasileiros são contra o projeto. Entre os funcionários públicos, que têm uma das maiores bancadas na Câmara, 63% são contra. Só 17% dos brasileiros se dizem bem informados sobre a reforma, e justamente entre os mal informados, 62% a rejeitam.
Bolsonaro mostrou a potência política das mídias digitais na sua própria eleição, e uma pesquisa divulgada pela agência BCW aponta que ele é o chefe de Estado mais influente nas redes. Contudo, um levantamento da revista Época revelou que entre outubro de 2017 e 6 de março deste ano, de 3 mil tuítes seus, somente 9 mencionaram a Previdência. O Estado mostrou que nos dois primeiros meses de governo, de 515 tuítes, 95 cumprimentavam amigos e aliados, 51 eram ideológicos, 31 criticaram a imprensa, 30 responderam a críticas e apenas 5, ou seja 1%, mencionavam a reforma da Previdência. A cada três dias o presidente publica no Twitter alguma crítica, ironia ou questionamento ao trabalho dos veículos de comunicação.
Bolsonaro não só não usa seu arsenal comunicativo para frear intimidações de sua militância aos possíveis aliados ou para esclarecer a população, como desmoraliza quem pode fazê-lo: a imprensa. Se a reforma falasse, decerto diria: “Com amigos assim, quem precisa de inimigos?”.
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