Direita ganha espaço e esquerda organiza primavera europeia em corrida eleitoral
Por Danilo Thomaz | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
RIO - A Europa que vai eleger 705 membros do Parlamento Europeu no próximo mês é bastante distinta da que foi às urnas em 2014. Nesse intervalo de cinco anos, o continente passou por uma série de episódios que afetou o seu panorama político: o referendo da Escócia pela saída do Reino Unido, a tentativa de proclamação de uma república catalã, a crise do Reino Unido para uma saída da União Europeia e a ascensão e o fortalecimento da extrema-direita em vários países do continente.
Na França, a segunda economia da zona do euro, a Frente Nacional (hoje Reunião Nacional) chegou ao segundo turno das eleições presidenciais. Sua nova líder, Marion Maréchal-Le Pen, busca consolidar e renovar o partido perante a queda de popularidade do presidente Emmanuel Macron, simbolizada pelos protestos dos coletes amarelos. Na Andaluzia, o Vox, de extrema-direita, conquistou 12 assentos na Câmara local. É a primeira vez, desde 1982, que esse espectro político está representado em um parlamento da Espanha. Desde maio do ano passado, a Liga Norte, de extrema-direita, governa a Itália, terceira maior economia da zona do euro, em uma coalizão com o Movimento 5 Estrelas, que se classifica como antissistema.
Levantamento realizado em 31 países mostrou que os votos em candidatos populistas, de esquerda e de direita, mais que triplicaram desde 1998, segundo levantamento do jornal inglês "The Guardian" no fim do ano. Há duas décadas, 7% dos europeus votavam em candidatos populistas, de diferentes espectros. Vinte anos depois, esse número passou para 25%.
Diante desse cenário, 14 organizações de esquerda de nove países - o Movimento Democracia na Europa 2025, fundado pelo ex-ministro das Finanças da Grécia Yanis Varoufakis, é de caráter pan-europeu - têm se estruturado de maneira transnacional para a criação da Primavera Europeia. O movimento propõe uma nova agenda para a União Europeia e pretende, sob seu ponto de vista, torná-la mais democrática e sustentável no campo socioeconômico.
"Identificamos como principais adversários a extrema-direita, nacionalistas e xenófobos, mas também o status quo europeu, porque as instituições, neste momento, estão dominadas pelos neoliberais, que acreditam na austeridade permanente", diz Paulo Velez Muacho, um dos diretores do Livre, partido de esquerda criado em 2014 e que lidera a Primavera Europeia em Portugal. "Esses polos se alimentam mutuamente. As pessoas votam nessas forças por alternativa. Apresentamos uma terceira via."
Entre os planos da Primavera Europeia estão a convocação de um referendo pan-europeu para a formação de uma Assembleia Constituinte europeia para reformar e democratizar a carta constitucional. Além disso, defende mais transparência nos processos de governança do bloco, fortalecimento dos Tribunais Constitucionais, associando-os à Comissão de Copenhague, na garantia dos direitos fundamentais do cidadão e da preservação do Estado de Direito, e a criação de um salário mínimo europeu.
Do ponto de vista ambiental, segundo Muacho, existe "a ideia de um Green New Deal para a Europa", inspirado no projeto da deputada americana Alexandria Ocasio-Cortez, do Partido Democrata. "O que pretendemos aqui é investir em infraestruturas basicamente verdes, em energias renováveis, fazer todo esse trabalho de recomposição da economia europeia."
Uma vez que as regras do Parlamento Europeu não autorizam candidaturas transnacionais, as organizações que fazem parte da Primavera Europeia se organizaram com suas bases e entre si ao longo de 2018 e início deste ano para a elaboração e aprovação da agenda comum. Os eleitos para o Parlamento Europeu representarão a agenda da Primavera Europeia. "Tentamos coordenar ao máximo nossa campanha para que haja essa ideia de que estamos a fazer essa campanha em comum", afirma Muacho.
Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), diz acreditar que a iniciativa possa trazer uma maior integração entre os países em torno de uma agenda europeia. "Esses movimentos são em si uma expressão de que está nascendo um espaço de debate europeu. Independentemente do que você acha das propostas", diz o professor. "Em geral, o que significa ser de esquerda e ser de direita tem sido uma conversa nacional, mas sempre houve pontos de contato. A gente pode chegar a ter uma conversa regional sobre formas de articulação, [sobre] como esses movimentos se relacionam."
De acordo com uma pesquisa divulgada no mês passado pelo Parlamento Europeu, as perspectivas eleitorais para 2019 vão no extremo oposto a essa ideia. A legislatura de 2019-2024 deve ver diminuir a presença das duas principais forças do Parlamento, o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, e os Socialistas e Democratas (S&D), de centro-esquerda. Os dois blocos, que somam 403 eurodeputados (de um total de 751), devem eleger 318 legisladores (de um total de 705, com a saída do Reino Unido), mantendo ainda as maiores bancadas. Nesse cenário, o PPE deve cair de 217 para 181 eurodeputados e o S&D, de 186 para 135.
Por outro lado, a Aliança de Liberais e Democratas pela Europa (Alde) deve passar de quarta para a terceira força do Parlamento Europeu, aumentando de 68 para 75 eurodeputados. A Europa das Nações e da Liberdade (ENF), que une partidos de extrema-direita, deve crescer de 37 para 59 eurodeputados. O grupo, hoje a sétima força do Parlamento, deve tornar-se a quarta maior.
"Os partidos da direita e da extrema-direita têm conseguido articular uma narrativa mais convincente do que [a narrativa] da esquerda", afirma Stuenkel. O professor da FGV vê, ainda, o impasse diante da saída do Reino Unido da União Europeia e a incerteza de sua participação nas eleições de maio como mais um fator que beneficia a extrema-direita. "Sobretudo no caso da França tinha muita esperança de encerrar esse capítulo para atacar a extrema-direita com mais facilidade", diz.
Em virtude do novo adiamento, a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, afirma que pretende resolver a questão até o dia 22 de maio, um dia antes do pleito europeu. A expectativa, segundo duas fontes do Parlamento Europeu que preferiram não se identificar, é que o Reino Unido participe das eleições. Há incerteza, no entanto, quanto ao que seria feito com sua eventual saída após as eleições. Em junho do ano passado, ficou acordado que, sem o Reino Unido, o número de parlamentares cairia de 751 para 705 e 27 das 73 cadeiras do Reino Unido seriam divididas entre outros países.
Do ponto de vista das forças políticas, Portugal deve manter-se com uma representação semelhante à da atual legislatura. Segundo o jornalista Manuel Carvalho, diretor do jornal português "Público", há duas razões para que Portugal consiga manter-se imune ao avanço da extrema-direita. O processo de redemocratização, iniciado em 1974, com o fim de 41 anos ditadura de António Salazar, deixou "a opinião pública portuguesa vacinada contra essas posições mais extremadas". O outro motivo tem a ver com o fato de Portugal ter conseguido "encontrar soluções parlamentares estáveis mesmo em anos de muita instabilidade", como atesta a Geringonça, coalizão que governa o país desde novembro de 2015.
Naquele ano, nenhum dos partidos eleitos para o Parlamento conseguira formar maioria para montar um governo. Após um período de impasse, o PS, o BE, o PCP e o Partido de Esquerda Os Verdes (PEV) acertaram-se para compor a maioria. O que, de início, era tratado como uma piada - a "geringonça" - tornou-se uma solução. "O sistema partidário e político tem sido capaz de encontrar medidas que impeçam a instabilidade política, o vazio de poder, que afaste cenários de crise e instabilidade", afirma Carvalho. O Partido Socialista, segundo pesquisa recente, lidera as intenções de voto para as eleições legislativas portuguesas de outubro.
O sociólogo e cientista político Pedro Magalhães, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, vê na estabilidade econômica e na falta de lideranças de extrema-direita dois dos fatores para a estabilidade política do país. "Portugal tem comparativamente baixos níveis de imigração, e muitos imigrantes que falam português e com os quais há afinidades culturais; há baixo desemprego, e muito do emprego com baixas qualificações está sob contratos rígidos, o que diminui a capacidade de explorar qualquer sensação de 'ameaça' alegadamente trazida pelos imigrantes", diz. "Não surgiram até agora lideranças mobilizadores na extrema-direita. Mas, como o caso espanhol mostra, não é completamente impossível que uma 'exceção' deixe de ser muito rapidamente."
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