segunda-feira, 10 de junho de 2019

Capitalização não emplacou há 20 anos

Por Edna Simão | Valor Econômico

BRASÍLIA - A criação de um regime de capitalização, um dos temas polêmicos da reforma de Previdência do governo Bolsonaro, já estava prevista na proposta de mudança das regras de concessão da aposentadoria há mais de 20 anos. Na ocasião, a medida não emplacou devido à resistência política e ao elevado custo financeiro em um ambiente de forte restrição fiscal, quadro semelhante ao atual.

"Vinte anos se passaram, os paliativos não têm mais efeito e o problema persiste. Há alguns anos, numa conferência em Oxford, perguntado sobre o que se arrependia de não ter feito no seu governo, FHC [Fernando Henrique Cardoso] citou a reforma da Previdência. Preferi não perguntar por que não a fez", disse o economista André Lara Resende em entrevista, por e-mail, ao Valor.

Em 1998, Lara Resende coordenou um grupo de trabalho que analisou a possibilidade de inserir na reforma da Previdência a migração parcial de um regime de repartição simples (em que o trabalhador da ativa financia o aposentado e pensionista) para um de capitalização (contas individuais). O objetivo era chegar a um regime de capitalização para rendas acima do salário mínimo.

"Até um salário mínimo, o sistema continuaria de repartição, mas a parte assistencial, como a aposentadoria rural e outras, seriam separadas do sistema de aposentadorias", explicou o economista. "O problema, como se sabe, é a transição da repartição para a capitalização. Embora a situação atuarial não mude, cria-se um déficit de caixa que precisa ser financiado", acrescentou Resende.

Lara Resende explicou que o ponto chave para um regime de previdência atuarialmente equilibrado "não é o de repartição versus capitalização, mas sim o de benefícios definidos versus contribuição definida". "Todo sistema que define os benefícios antes de definir a contribuição, mais cedo ou mais tarde, tenderá a ser deficitário", explicou. "As empresas, públicas e privadas, que tinham benefícios definidos viram-se diante de passivos potencialmente explosivos. A capitalização era uma forma de transitar para a contribuição definida", disse. Sem capitalização e a aprovação de uma idade mínima de aposentadoria, o governo criou o fator previdenciário, que é resultado da combinação da idade, tempo de contribuição e a expectativa de vida.


Para frear a tentação política de lançar mão dos recursos dos fundos de capitalização previdenciária, o que Lara Resende considera uma ameaça real, foi proposto à época que as contas fossem individuais e permanentemente acessíveis aos beneficiários. "Hoje, as contas previdenciárias individuais, se acopladas a uma plataforma de identidade digital nacional única de e-gov, como a já existente na Estônia e na Índia, seriam um extraordinário avanço na governança, na desburocratização e na qualidade dos serviços públicos", afirmou.

A proposta do governo Bolsonaro é vista pelos parlamentares como um "cheque em branco" ao Executivo devido à falta de detalhamento. Uma das principais críticas é a ausência da exigência de contribuição patronal no novo regime. Também há dúvidas sobre como adotar medidas para proteger os recursos dos trabalhadores de interferência política.

O relator da reforma da Previdência na Comissão Especial na Câmara, Samuel Moreira (PSDB-SP), tem simpatia pela ideia de autorizar a criação de um regime de capitalização que depois seria regulamentado por projeto de lei. Mas já deixou claro que em outros moldes. Por exemplo, não considera sustentável o fato de não haver contribuição patronal no novo sistema. Moreira tem dito ainda que, apesar do desejo de manter a matéria em seu parecer, o que vai prevalecer é a negociação com a bancada de líderes, que tem se posicionado contra. Para o relator, a capitalização é assunto secundário no momento. A prioridade é a aprovação da reforma na comissão.

O especialista em Previdência Social, Renato Follador, afirmou que não existe possibilidade de sustentabilidade da Previdência Social sem a criação de uma parcela capitalizada. Isso porque as pessoas estão vivendo cada vez mais e tendo cada vez menos filhos.

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