- O Estado de S. Paulo
O Congresso tomou a dianteira e está levando adiante seus projetos
Com Bolsonaro envolvido numa agenda populista e de interesse dos convertidos, o Congresso tomou a dianteira. E, goste-se ou não, está levando adiante seus projetos prioritários. Sem dúvida mais prioritários do que os defendidos ardorosamente pelo Executivo, como o pacote de mudanças na lei de trânsito – que, em nome do liberalismo, chega ao extremo de dispensar a multa para quem transporta crianças sem cadeirinhas. Até o factoide da criação de uma moeda única do Mercosul virou assunto preferencial de Bolsonaro, como se fosse garantia de integração regional. Enquanto isso, a pauta do Congresso segue em frente, mesmo com todas aquelas manobras típicas da política, e vem pondo à prova o amadorismo da articulação do Planalto.
Só deu Congresso nas últimas semanas. Diante de um Executivo atordoado, o Legislativo aprovou em cima da hora a Medida Provisória (MP) da reforma administrativa, mas retirou o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) da Justiça de Sérgio Moro e devolveu-o para a Economia de Paulo Guedes. Também validou a MP do pente-fino nos benefícios do INSS, por meio de um saudável acordo entre oposicionistas e governistas, e a MP do Saneamento. E, se o bom senso imperar, nos próximos dias deverá garantir o crédito suplementar de R$ 248 bilhões, crucial para impedir a paralisação da máquina pública no segundo semestre. Mais ainda: “carimbou” o orçamento impositivo e deu passagem à proposta que endurece a tramitação de MPs. Para um poder acusado de acomodação às iniciativas do Executivo e de fazer “corpo mole” para tomar decisões, não é pouca coisa.
A semana começa com um passo decisivo para a tramitação da reforma da Previdência. O relator da Comissão Especial da Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), deve apresentar seu parecer sobre a proposta do Planalto, após examinar quase 230 emendas ao texto original. Prevista inicialmente para o fim da semana passada, a leitura do relatório foi adiada, para dar tempo a um possível acerto sobre a inclusão dos Estados e municípios na reforma. Nos últimos dias, esse foi o principal ponto nas negociações da reforma – que não só opõe governadores a parlamentares como também expõe diferenças entre os próprios governadores.
Na quinta-feira, foi divulgada uma carta assinada por 25 governadores defendendo essa alternativa, com o objetivo de evitar a explosão dos gastos previdenciários. Mas logo em seguida apareceu uma segunda carta, com termos mais abrandados, e ainda uma terceira, com as posições específicas de governadores do Nordeste. Do lado dos parlamentares, o temor de desgaste eleitoral explica a tentativa de jogar a decisão para assembleias estaduais e câmaras municipais.
Às vésperas da divulgação do relatório de Moreira, também há dúvidas sobre que fim terá a proposta de introdução do regime de capitalização – que prevê uma espécie de “poupança” feita pelo trabalhador, ao longo da vida produtiva, para mais tarde bancar sua própria aposentadoria. A artilharia contra essa ideia é pesada e mesmo parlamentares que se declaram a favor do novo sistema recomendam uma contribuição adicional dos empregadores, contrariando o pensamento de Guedes. Pressões para mudar o esquema de transição também podem resultar numa adaptação do texto original. Estavam previstas três regras de transição e a intenção agora é criar uma quarta, para quem está próximo de se aposentar. O trabalhador poderá escolher a que considera mais vantajosa.
Mas o ativismo do Congresso na área econômica não para por aí. Daqui a algumas semanas, com a reforma da Previdência provavelmente já seguindo seu trajeto, a Câmara deverá instalar a comissão especial para examinar a proposta de reforma tributária. Inspirada nas ideias do especialista Bernard Appy e encampada pelo MDB, a proposta mira na simplificação – fator considerado essencial para a correção de distorções no disfuncional sistema tributário em vigor no Brasil. O ponto de partida seria a substituição de cinco tributos – IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS – por um imposto único, nos moldes do IVA, aqui denominado Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).
Como dá para perceber, as duas iniciativas estão mais nas mãos – e na cabeça – dos parlamentares do que do presidente. A propósito, quem se lembra do começo do mandato, quando aliados pediam para que Bolsonaro saísse a campo e liderasse a negociação da reforma da Previdência? Pelo que se viu até agora, talvez seja melhor mesmo o presidente se manter afastado dessa função. E deixar o Congresso trabalhar.
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