- Folha de S. Paulo
Governo Bolsonaro terá de alterar o discurso e a orientação de suas políticas
Em 1972, na primeira conferência da ONU sobre meio ambiente, em Estocolmo, o chefe da delegação brasileira, Costa Cavalcanti, ministro do presidente Médici (1969-1974), proclamou que a política oficial era "desenvolver primeiro, e pagar os custos da poluição depois".
A lenda lhe atribui o brado retumbante: "Bem-vinda a poluição!". Com efeito, aqui se acreditava que a causa ecológica era pretexto do primeiro mundo para barrar o caminho do país ao progresso.
Desde então muita coisa mudou. Em 1987, o relatório da Comissão Brundtland da ONU, "Nosso Futuro Comum", reconhecendo a natureza global do desafio, consagrou o princípio de que o desenvolvimento não poderia se dar às custas da destruição dos recursos do planeta: teria de ser sustentável do ponto de vista ambiental.
Lentamente, por meio de árduas negociações, foram se erguendo nas instituições multilaterais as estruturas normativas —acordos, convenções, painéis— do que passaria a se chamar regime internacional de mudanças climáticas, cuja expressão mais recente é o Acordo de Paris de 2016.
Valendo-se de seu imenso patrimônio ambiental, o Brasil enfrentou os dilemas comuns. Entre eles, uma divisão de custos e responsabilidades, aceitável para sociedades menos ou mais industrializadas. Tendo sediado em 1992, no Rio, a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o país participou de todas as iniciativas seguintes, transformando sua atuação em recurso de "soft power" da política externa.
Em paralelo, uma ideia avançada da questão ambiental, inscrita na Constituição de 1988, permitiu que se caminhasse também no plano interno, embora sem superar a falsa antinomia entre progresso e preservação. Ela se reproduz em todo o espectro político —no caso mais notório, culminou com o divórcio entre Marina Silva e o petismo.
Agora, Jair Bolsonaro exuma o ossificado enfoque de Costa Cavalcanti. O Ministério do Meio Ambiente, em sintonia com interesses privados ávidos por ganhos imediatos, se abate sobre os instrumentos de regulação e monitoramento sem os quais nenhuma política ambiental é possível.
Mas os tempos são outros. Nos foros internacionais, declarações desatinadas dos ministros das Relações Exteriores e da Segurança Institucional, ecoando as do chefe, cobriram de reprovação e desconfiança o modo como somos vistos por países engajados no front ambiental.
O bem-vindo acordo comercial entre Mercosul e União Europeiaestabelece compromissos que incluem os do Acordo de Paris —e vão além. Para honrá-los, o governo terá de mudar o discurso e a orientação de suas políticas.
*Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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