- Valor Econômico
Policiais querem benefícios que foram extintos em 2003
O presidente da República é capitão do Exército. O líder do governo na Câmara é major. O líder do PSL na Câmara é delegado. O líder do PSL no Senado é major. Todos eles fizeram suas campanhas eleitorais defendendo as respectivas categorias e a bandeira da segurança pública. Agora, nada mais lógico que essas categorias esperem ser atendidas em seus interesses. Elas querem regras previdenciárias muito favorecidas em relação aos demais servidores e trabalhadores. O Congresso vai aceitar? A resposta a esta questão poderá ter desdobramentos importantes a frente.
O que querem os policiais? O direito a se aposentar com 100% da última remuneração do cargo efetivo que ocupam - benefício chamado de integralidade. E que os inativos tenham os mesmos aumentos salariais concedidos aos policiais da ativa - benefício conhecido como paridade.
A integralidade e a paridade, como regras de aposentadorias, foram extintas em dezembro de 2003 pela emenda constitucional 41, de iniciativa do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A partir de então, o cálculo do valor da aposentadoria passou a considerar a média das remunerações utilizadas para a contribuição ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Os aumentos das aposentadorias e pensões dos servidores passaram a ser definidos em lei específica e, agora, têm que ser iguais aos concedidos no Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
A emenda 41 garantiu, no entanto, a integralidade e a paridade aos servidores que já haviam preenchidos os requisitos para se aposentar e para aqueles que ingressaram no serviço público até a data de publicação da mudança constitucional. Mas, para estes últimos, o servidor deveria cumprir 35 anos de contribuição e 60 anos de idade, se homem, e 30 anos de contribuição e 55 anos de idade, se mulher.
O que os policiais querem agora, portanto, é voltar à realidade anterior à emenda constitucional 41, ou seja, para a situação que existia em 2003. Mas eles querem o pacote completo que existia naquela época: não querem também ter idade mínima, mesmo que seja especial, para requerer a aposentadoria. Ou seja, querem benefícios que foram negados a todos os servidores que ingressaram no serviço público depois de dezembro de 2003.
Um dos principais objetivos da reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro é acabar com privilégios, igualando as regras previdenciárias aplicadas a servidores e aos trabalhadores da iniciativa privada. As reivindicações dos policiais destoam desse propósito. Eles querem um tratamento mais do que privilegiado.
Os riscos de morte e de agressões a que os policiais estão submetidos em seu dia a dia devem ser considerados, sem dúvida, quando se estabelecem regras de aposentadoria e de pensão. Mas eles terão direito a tratamento especial se a complementação de voto do relator da reforma, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentada na terça-feira passada, for aprovada.
Na complementação de seu voto, Moreira manteve a proposta de aposentadoria aos 55 anos para homens e mulheres, com 30 anos de contribuição. A regra geral para os demais servidores e trabalhadores da iniciativa privada é de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com contribuição mínima de 25 anos. Para ter direito ao valor máximo do benefício de aposentadoria, o servidor ou trabalhador terá que contribuir por 40 anos.
Samuel propôs ainda que a pensão por morte, devida ao cônjuge do policial, seja vitalícia e correspondente à remuneração do cargo. Mesmo esse tratamento diferenciado não satisfez os policiais que, em manifestação realizada na terça-feira, chegaram a chamar o presidente Jair Bolsonaro de "traidor". Ontem, ao chegar a evento em São Paulo, o presidente apontou para um grupo de policiais militares que estavam em serviço e disse: "Vou resolver o caso de vocês, viu?".
O PSL, partido de Bolsonaro, ameaça não votar a reforma se as reivindicações dos policiais não forem atendidas. O líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), chegou a dizer que, se a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal conseguissem tudo o que haviam proposto, o impacto seria menor que R$ 4 bilhões em dez anos. Ele acha que é possível chegar a um meio termo. "Se houver algum tipo de desidratação [da proposta de reforma], vai ser algo de pequena monta", afirmou em entrevista.
O problema é que os policiais querem a mesma coisa que o governo concedeu a militares das Forças Armadas. O projeto de lei encaminhado ao Congresso em março (PL 1.645/2019), que reformula carreiras, concede aumentos salariais e altera as regras de pensão dos militares, prevê que, durante a inatividade, eles continuarão tendo direito à remuneração integral e à paridade.
Além disso, o projeto propõe aumentar de 30 anos para 35 anos o tempo mínimo de atividade. Eles continuarão contribuindo apenas para a pensão, com alíquotas aumentadas, mas não para o período de inatividade. A economia que será obtida com o projeto dos militares também será de "pequena monta" para usar as palavras do líder do governo, de só R$ 10,5 bilhões em dez anos. As regras para policiais militares dos Estados e bombeiros serão as mesmas dos militares das Forças Armadas.
Apesar das pressões, na noite de ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), informou que não houve acordo entre os líderes partidários sobre as reivindicações dos policiais. A questão é saber se o governo Bolsonaro conseguirá manter as vantagens para os militares das Forças Armadas se for negado, agora, o que os polícias reivindicam.
BNDES e o PIS/Pasep
O BNDES continuará recebendo os recursos do PIS/Pasep se a complementação de voto de Samuel Moreira for aprovada pelo Congresso. O relator da reforma desistiu de tirar os atuais 28% dos recursos do PIS/Pasep que o banco estatal recebe atualmente. Mas o voto de Moreira determina que os programas de desenvolvimento econômico financiados com esses recursos serão anualmente avaliados e divulgados em meio de comunicação social eletrônico. Terão que ser também apresentados em reunião da Comissão Mista de Orçamento do Congresso.
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