Na reta final para a votação em plenário, o projeto de reforma da previdência atrasou na Comissão Especial, aonde se trava a batalha entre lobbies, em especial a bancada da bala, para convencer o relator Samuel Moreira (PSDB-SP) a retirar policiais federais e carreiras relacionadas à segurança pública do projeto, e incluí-los com mais benefícios no projeto que contempla os militares. O presidente Jair Bolsonaro, cujo ativismo nesta reforma foi perto de nulo, entrou em campo para apoiar os interesses de um dos grupos que mais fortemente o apoiaram até hoje.
Da forma como estava até o início da noite de ontem, a proposta de reforma permitia a economia perto de R$ 1 trilhão desejada pelo governo, com algumas gambiarras, como o aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos, de 15% para 20%. Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente, o CSLL majorado trará receitas de R$ 40 bilhões em uma década. Ainda sobre as propostas da segunda versão do relator, a IIF calcula que as modificações feitas retirarão R$ 210,2 bilhões em economias em relação à PEC 6 proposta originalmente pelo Executivo. Como a reestimativa da potência da reforma feita pelo Executivo previu uma redução dos gastos previdenciários da ordem de R$ 1,23 trilhão, a desidratação, por enquanto, é suave.
Se passar como está pelo plenário da Câmara e pelo Senado, será a reforma de maior impacto feita até hoje. A mudança nas regras de idade mínima e de tempo de contribuição para mulheres (servidores e professoras) reduzirá a economia esperada em R$ 51,8 bilhões. A não elevação da idade para a aposentadoria rural eliminará outros R$ 49,7 bilhões, segundo a IFI. A manutenção em sua forma atual do Benefício de Prestação Continuada, e a restrição do abono salarial não mais para quem ganha um salário mínimo, mas para quem recebe 1,4 salário mínimo, aumentarão a perspectiva de despesas em mais R$ 108,7 bilhões.
Ainda que robusta, não será desta vez que as desigualdades entre o regime público e o dos demais cidadãos, a favor do primeiro, serão eliminadas. As categorias de segurança pretendem obter as vantagens de militares para quem está na ativa até a aprovação da reforma, ambicionando a integralidade (mesmo salário da ativa quando da aposentadoria) e a excrescência da paridade, na qual recebem quando aposentados todos os reajustes dados ao pessoal da ativa. Isso não existe em nenhum lugar do mundo, mas contempla ainda os funcionários que ingressaram no serviço público antes de 2003, quando o benefício foi extinto, mais algumas categorias da elite do funcionalismo, entre elas Judiciário e militares. O teto do regime geral da previdência continuará ainda bem menor que os do Legislativo, Executivo e Judiciário.
A economia de R$ 1 trilhão afastará no tempo a perspectiva de insolvência da União. Deixou-se de lado, porém, por questões paroquiais da politicagem, a inclusão de Estados e municípios na reforma. Essa inclusão pouparia aos entes federados R$ 350,7 bilhões em uma década e é necessária porque os regimes estaduais atuais não param de pé e produziram um déficit de R$ 90 bilhões no ano passado. É uma questão de enorme importância, pois Estados falidos baterão à porta da União, como sempre fizeram, e pendurarão boa parte da conta no Tesouro Nacional, contribuindo para elevação dos gastos da União e da dívida pública. Além disso, preservar a trajetória insustentável das previdências estaduais aniquila a capacidade de investimentos dos Estados, afetando a maioria da população que não tem as benesses do funcionalismo e que paga a conta duas vezes: por impostos e pela deterioração dos serviços públicos.
Como não há reforma definitiva da previdência, e outras serão necessárias, a rejeição à desconstitucionalização das normas do regime previdenciário é uma perda para a capacidade de responder às mudanças demográficas. Não foi perda irreparável a rejeição do regime de capitalização, da forma como foi proposto - uma carta branca para sua introdução, sem nenhum detalhamento, ao qual foi acoplada, nas declarações do ministro Paulo Guedes, uma nova mudança na legislação trabalhista. Não é assim que se faz uma mudança desta envergadura, sem contar o fato de que a conta do regime de transição nunca foi apresentada e sabe-se que ela é pesada em quaisquer circunstâncias.
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