Correspondente brasileiro analisa a guinada populista europeia
Por José Barella | Valor Econômico
SÃO PAULO - A ascensão do populismo na Europa é um fenômeno recente, que vem crescendo com as seguidas votações expressivas obtidas por partidos de direita e extrema direita nas eleições legislativas em países como França, Holanda, Alemanha, Itália, Dinamarca e Áustria. Resta a dúvida: o que, afinal, está levando nações reconhecidas pela defesa de valores caros ao Velho Continente - como a democracia liberal, a liberdade de expressão e o respeito aos direitos humanos - a flertarem com o autoritarismo populista e xenófobo?
É disso que trata o jornalista Milton Blay em “A Europa Hipnotizada - A Escalada da Extrema-Direita”, livro no qual o autor usa sua experiência de 40 anos como correspondente em Paris para fazer uma ampla reflexão sobre a guinada europeia rumo ao populismo de extrema direita. Remanescente da última geração de correspondentes brasileiros radicada há décadas na Europa, Blay atuou em vários veículos - revista “Visão”, jornal “Folha de S.Paulo”, Grupo Bandeirantes e rádios Jovem Pan, Capital, Excelsior (depois CBN) e Eldorado. Também foi redator-chefe da Rádio France Internationale, além de presidente da Associação da Imprensa Latino-Americana na França.
Sob o risco de chover no molhado - o crescimento do populismo na Europa tem sido explorado à exaustão pelo mercado editorial nos últimos dois anos -, o autor consegue surpreender ao abrir o leque e usar seu olhar estrangeiro em solo europeu para mostrar todas as nuances políticas, sociais e econômicas que desembocaram no atual cenário. Na prática, Blay relembra as transformações da Europa desde que chegou à França, em 1978, mesclando fatos históricos com suas impressões pessoais, sempre ancoradas em dados contextualizados.
A obra pode ser dividida em quatro eixos. No primeiro, o autor explora a ascensão populista na Europa usando como régua a França. No segundo, Blay aborda como a vitória de Jair Bolsonaro no Brasil emulou os modelos populistas de direita europeu e o americano, este de Donald Trump. A terceira frente disseca as transformações socioeconômicas do mundo, incluindo a revolução digital e os efeitos da globalização no cenário internacional. No último bloco, Blay analisa o cenário da música clássica, uma de suas paixões, e relembra histórias saborosas como correspondente, incluindo uma entrevista bizarra com Salvador Dalí.
A rigor, os temas mais relevantes dos últimos 40 anos são abordados por Blay - do conflito israelense-palestino à política externa brasileira, passando pelo Brexit, as fake news, a crise de refugiados da Europa, o terror islâmico e a ascensão econômica da China. O resultado é um livro de memórias com temática atual e abrangente, informativo e de fácil leitura. Blay, por exemplo, foi sincero ao descrever como é sentir na pele essa virada europeia em direção ao populismo de extrema direita. No caso da França, ela se mostrou rápida e assustadora, principalmente no interior. “Cheguei à França em 1978 e 40 anos mais tarde acreditava conhecer bem o país. Mas só agora é que começo a compreender essa outra França, à qual a maioria esmagadora da população dos grandes centros urbanos raramente tem acesso”, escreveu.
Ele cita a aldeia de Issirac, de apenas 270 habitantes, a 750 Km de Paris, que simboliza a intolerância, o racismo e a xenofobia que tomaram conta do país. “Vota no candidato de extrema direita quem praticamente só viu um negro ou um árabe em fotografia, quem vive do vinho produzido localmente (cada dia de melhor qualidade) e teme a globalização, sem nunca ter viajado para a capital”, assegura.
Em um exemplo de como o crescimento do ódio faz parte do projeto de poder populista, o autor lembra o avanço do antissemitismo na França - um fenômeno abraçado por populistas de extrema esquerda (antissionista e pró-Palestina) e de extrema direita (racista). Os judeus somam apenas 1% da população francesa, mas são alvo de 50% dos atos racistas no país.
Blay alinha outros fatores que favorecem a expansão populista de extrema direita na Europa. Entre elas, a desconexão da população com os políticos - um fenômeno reforçado na França pelo movimento dos coletes amarelos -, os sinais de esgotamento do atual modelo econômico marcado pela globalização, que criou zonas de paralisia mesmo entre as nações mais ricas do planeta, como Dinamarca e Alemanha, e a desesperança com a democracia e o futuro.
Principalmente entre os desempregados das grandes cidades, excluídos de uma unificação europeia que levou suas fábricas para a Hungria e a Romênia, os idosos e a população de baixa renda dos grotões do interior. Blay atesta como a França reproduz esse pessimismo. “Os franceses estão desorientados, perderam a esperança e muitos se sentem estrangeiros em seu próprio país.”
“Europa Hipnotizada - A Escalada da Extrema-Direita”
Milton Blay
Editora Contexto, 192 págs., R$ 37
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