- Valor Econômico
Descolada da política hoje, economia pode travar reeleição
Há uma pedra no meio do caminho de Bolsonaro em 2022. Dentro dos limites que previsões econômicas têm quando feitas com este grau de antecedência, o panorama não parece ser favorável para projetos continuístas que tenham a preservação da democracia como uma premissa.
E, que fique claro, é deste cenário que esta análise parte, o da normalidade institucional. O filho do presidente garantiu que não estava propondo nada quando escreveu em uma rede social, na terça-feira, a agora famosa frase de que as transformações que eles desejam não acontecerão na velocidade almejada, pelas vias democráticas. Sem sinais mais claros que indiquem que Bolsonaro prepara uma espécie de golpe, é obrigatório pressupor que não há nada disso, que o presidente se prepara para disputar nas urnas a recondução para mais um mandato presidencial.
Pode trabalhar contra Bolsonaro o cenário externo, como indicou em um seminário da Fundação Getulio Vargas em São Paulo um estudo apresentado pela cientista política Daniela Campello, da Escola Brasileira de Administração Pública (Ebrape/FGV-RJ).
Segundo ela, o Brasil é essencialmente um país que exporta commodities e importa capital. Nos momentos em que as commodities estão em baixa e o custo do crédito encarece, há uma guinada política contra os governantes de turno. Na situação inversa, o poder local fica muito fortalecido.
Boa parte do esplendor político vivido por Lula no Brasil fundamentou-se nesta equação externa. Foi a mesma razão que impulsionou o casal Kirchner na Argentina, Rafael Correa no Equador, Evo Morales na Bolívia, Hugo Chávez na Venezuela, Álvaro Uribe na Colômbia, para citar apenas os casos latino-americanos. “Os eleitores atribuem ao seu presidente o que na realidade vem de fatores externos”, comentou Daniela.
Na década atual a história tem sido outra e não é uma simples coincidência ter havido uma troca de mando político em quatro dos seis países citados. As exceções são a Bolívia, onde Evo sobrevive; e a Venezuela, que virou ditadura. Para medir a correlação, a professora criou um índice, composto por uma cesta de commodities e taxas de títulos públicos nos Estados Unidos, o “índice de bons tempos econômicos”.
Há sinais pouco alvissareiros nos Estados Unidos, na China e na União Europeia que podem afetar de maneira negativa países na condição do Brasil. Ou no mínimo é possível inferir que Bolsonaro não vai surfar na onda internacional favorável que Lula surfou.
No encontro promovido pela FGV em São Paulo, o peso do cenário externo na quadra política brasileira também foi destacado pelo cientista político André Singer, da USP, mas em uma perspectiva mais grave do que a desenhada por Daniela Campello, uma vez que ele estendeu o drama também para as nações do que outrora se convencionava chamar de “primeiro mundo”.
Ele citou os estudos do alemão Wolfgang Streeck, que indicariam que desde os anos 70 se encerrou a capacidade das economias desenvolvidas de gerar riquezas para além das demandas crescentes de suas populações. Válvulas de escape como ciclos inflacionários e aumentos de endividamento público e privado se esgotaram nos últimos dez anos. É um quadro que favorece soluções extremistas no plano político e que no Brasil fazem prever muita turbulência.
No cenário interno, conforme comentou o economista Márcio Holland, também da FGV, em visita a este jornal, vive-se um momento de ajuste em que têm sentido contracionista a curto prazo tanto a grande reforma que se fez recentemente, que foi o teto de gastos, como as que caminham para se concretizar, como é o caso da previdenciária e da tributária.
Naufrágio não haverá, mas tampouco porto seguro. Para os próximos anos projeções no mercado financeiro sinalizam relativa calmaria, com expansão do PIB da ordem de 1,5% a 2% para 2020 e de 2% a 3% para 2021 e 2022, mas trata-se de uma retomada em um ritmo baixo para se contrapor ao estrago que representou esta década.
Bolsonaro tem opções difíceis pela frente. O risco de cenários extremos tende a estar presente, independentemente do que aconteça. Não mexer nesta equação pode fazer com que a máquina pública trave. Afrouxar o teto ou soltar as rédeas nas reformas arrisca a provocar uma crise de confiança grave contra o Estado. Dificilmente a economia será um ativo para o presidente.
Para driblar estas condicionantes, talvez seja insuficiente a “guerra cultural” que o bolsonarismo desencadeou, da qual o lance político mais relevante em termos eleitorais pode ser a aproximação com o segmento evangélico. O presidente conta com o trunfo de ter como seu principal inimigo o PT, hoje uma espécie de símbolo da democracia corrupta que caracterizou o período entre 1985 e 2018. Mas na academia não se acredita que há garantias de que Bolsonaro possa escolher seu adversário dentro de três anos.
“Está havendo uma articulação em torno do populismo reformador, que é mais estruturado do que sugerem os jornais”, comentou no encontro da FGV o historiador Luiz Felipe de Alencastro, em uma referência ao apresentador Luciano Huck, que anda se movimentando.
A notícia relativamente boa para o presidente é que as pesquisas indicam que ele ainda tem, por ora, capital a queimar. A correlação entre a imagem do presidente e a economia é frouxa. Por ora, não se debita na conta de Bolsonaro os males da situação econômica atual, segundo a última pesquisa XP/Ipespe, feita com entrevistas por telefone, no fim do mês passado. Para 46% dos entrevistados trata-se de uma obra de Dilma ou de Lula, e somente 12% afirmam que Bolsonaro é o responsável pelo quadro existente.
Isto significa que, no momento, há um descolamento das esferas da política e da economia e que, se é verdade que a impopularidade do presidente é crescente, isto se deve a outros fatores. A fatura para o presidente não fechou.
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