No futuro o Coaf deve se transformar em uma agência independente
O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer aproveitar a transferência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para o Banco Central para aprovar, ainda neste ano, o projeto que confere independência ao BC. A decisão de colocar o Coaf no BC, com o nome de Unidade de Inteligência Financeira (UIF) reforçou a necessidade de dar à autoridade monetária a autonomia legal frente aos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
“Queremos aproveitar esse fim de ano para avançar com a independência do Banco Central”, disse o ministro ao Valor.
A transferência do Coaf para o BC foi concebida pelo ministro para colocar um ponto final na crise institucional que se desenhava naquele momento, com todos suspeitando de tudo.
“Ficar, no mesmo Ministério [da Economia], tanto a Receita Federal quanto o Coaf estava causando uma crise institucional”, explicou Guedes. “Havia suspeita de que se estava trabalhando com algoritmos não republicanos.” Ministros do Supremo Tribunal Federal reclamaram. Ao mesmo tempo, o próprio presidente da República estava vendo uma lista de cento e tantas pessoas na Assembleia Legislativa do Rio e “estava-se cutucando só o filho dele”, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), sob investigação de movimentação financeira atípica, contou.
“Então estava havendo um princípio de conflito institucional. Era uma disputa por demarcação de território”, e isso preocupava Guedes. O presidente da República pode influenciar o Coaf? O ministro Moro [Sérgio Moro, da Justiça] poderia? Ministro do Supremo poderia ficar impune por que ele tem influência no Coaf? Essas eram algumas das indagações feitas naquele momento que não seriam respondidas apenas com uma troca de comando do conselho.
Por outro lado, o ministro da Economia, com dois órgãos fortes nas mãos, Receita Federal e Coaf, poderia pedir a ambos para olhar dados de qualquer cidadão nos últimos 15 anos, por exemplo. “Essa concentração de poderes estava suspeita. Ninguém mais estava acreditando no Coaf”, comentou Guedes.
Outra suspeita, segundo ele, era a de que “o Coaf estava instrumentalizando o Supremo”. Nesse meio tempo entrou o Gafi, Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo, que é um órgão multilateral contra lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, e deu um puxão de orelhas no governo brasileiro por causa daquela situação. “Virou uma confusão”, disse ele.
Nesse caso, cortar cabeças, trocar o comando do conselho não resolveria o problema. Era preciso dar um passo além em direção a um aperfeiçoamento institucional.
“Vamos mostrar que são independentes. A Receita Federal pertence ao Ministério da Economia. E o Coaf acabou de ir para o BC. E o Banco Central é independente do Ministério da Economia”, atestou o ministro, que concluiu: “Acabou, nenhuma mão mais chega lá. A mão da Receita não consegue chegar no BC independente. A mão do Supremo não chega no BC independente. A mão do deputado não chega no BC independente”.
De fato, mesmo sem ter a independência garantida na letra da lei, o Banco Central ganhou reputação e credibilidade nos últimos tempos, dois atributos cruciais para a sua independência de fato. Afinal, a taxa de juros Selic em 6% a ano nunca foi tão baixa. A inflação está sob controle e as expectativas para o IPCA são de que encerre o ano em 3,54%, aquém da meta de 4,25%. A fiscalização bancária e a higidez do sistema financeiro não estão sob questionamento.
As transformações pelas quais passa o Conselho de Controle das Atividades Financeiras não param por aí. Nas mãos do presidente do Banco Central, Roberto Campos, o Coaf deverá tomar um banho de tecnologia moderna e de estrutura operacional. Mais adiante, a ideia de Campos é transformá-lo em uma agência independente.
Gastos indexados
O Plano Real, quando editado em 1994, cortou as indexações dos contratos, mas as dos gastos orçamentários permaneceram firmes e fortes. Mais de 70% das despesas crescem de forma autônoma, sem nenhuma correspondência com o comportamento das receitas, porque estão indexadas ao IPCA, ao INPC ou ao salário mínimo.
O governo já escreveu algumas versões de um projeto de emenda constitucional (PEC) para atacar esses mecanismos de geração espontânea de despesas públicas, mas nenhuma conseguiu, ainda, resolver todos os problemas jurídicos.
Resquícios dos tempos da hiperinflação, os mecanismos de indexação das despesas públicas são ainda mais asfixiantes quando o crescimento econômico, que é determinante para o comportamento das receitas, é baixo.
O governo pretende atacar o que a área econômica chama de 3D: “Desvincular, desindexar e desobrigar” as despesas públicas nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), no âmbito de um pacto federativo que, na avaliação do ministro, tem que ser feito “agora”.
A proposta de reforma tributária viria em seguida, também sob o guarda-chuva do pacto. Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, Bolsonaro exigiu de Guedes a cabeça do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, e desarticulou parte importante da proposta de reforma.
Junto com a exoneração de Cintra, o presidente jogou uma pá de cal na recriação da CPMF. O novo tributo, de alcance mais amplo do que a CPMF, foi imaginado como substituto da contribuição previdenciária sobre a folha de salários das empresas - que é uma taxação que espanta o emprego em um país de 13 milhões de desempregados. Não há, no momento, uma proposta alternativa de receita para compensar a desoneração da folha de salários.
A situação fiscal da União é dramática. O Orçamento do governo tem distorções gritantes. Não há recursos para investimentos. Acabou o cafezinho nos ministérios e o tempo corre. Nessa altura, o pior que pode acontecer é o enfraquecimento de Paulo Guedes. É oportuno lembrar Bolsonaro que ele e o ministro estão abraçados.
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