- Valor Econômico
Enfraquecimento de Onyx revela novo rumos do governo
O cardeal Armand Jean du Plessis, o duque de Richelieu, era o todo-poderoso "primeiro-ministro" do rei Luís XIII da França. Combinando sua ascendência na Igreja Católica e no palácio real, Richelieu conduziu o país na sangrenta guerra dos Trinta Anos, redefinindo o mapa religioso e político na Europa Central e, assim, consolidou o absolutismo francês de 1624 até a sua morte, em 1642.
François Leclerc du Tremblay, um frade capuchinho devotado a manter a França católica em plena onda protestante, se tornou confidente e braço-direito de Richelieu. Muito habilidoso politicamente, Leclerc exerceu forte influência sobre as decisões tomadas pelo cardeal, a ponto de receber dele o apelido de "eminência parda" - em referência tanto à sua importância quanto à cor de suas vestes religiosas.
A partir de então, a expressão passou a ser utilizada para designar assessores ou conselheiros de governantes que, atuando nos bastidores, ditam os rumos de suas escolhas. Ao longo da história, várias personalidades foram apontadas como "eminências pardas", do místico Rasputin na corte do czar Nicolau II ao vice-presidente Dick Cheney nos Estados Unidos da era de Bush filho (vale assistir ao filme "Vice", de Adam McKay).
Jair Bolsonaro chegou ao Planalto acompanhado de seus três mosqueteiros. Sérgio Moro comandaria a guerra contra a corrupção e a criminalidade, Paulo Guedes daria um choque liberal para tirar a economia do buraco e Onyx Lorenzoni comandaria a articulação política para aprovar as reformas.
Onyx foi um dos primeiros políticos a enxergar o potencial de ascensão do ex-capitão. Enfrentou seu partido, o DEM, que na eleição de 2018 apoiou Geraldo Alckmin, e colheu os lucros de uma aposta certa, sendo nomeado o coordenador da equipe de transição entre a eleição e a posse.
Àquela altura, tudo indicava que ele seria o homem-forte no Palácio do Planalto. Com dois mandatos de deputado estadual e cinco legislaturas na Câmara dos Deputados, o gaúcho ainda possuía bom trânsito nos três pilares de sustentação do bolsonarismo, por ser evangélico, membro da bancada ruralista no Congresso e ferrenho opositor ao Estatuto de Desarmamento.
O início do governo foi bastante auspicioso para seus propósitos, mostrando habilidade nas manobras para colocar Davi Alcolumbre na presidência do Senado, impondo uma importante derrota sobre Renan Calheiros, um símbolo da "velha política" tão criticada na campanha. Onyx também foi beneficiado pelas lutas intestinas pelo poder no entorno de Bolsonaro. Os atritos com os filhos do presidente e seu guru Olavo de Carvalho levaram à queda de Gustavo Bebianno e ao enfraquecimento dos generais da velha guarda instalados no Palácio do Planalto.
O caminho parecia aberto para que o ministro-chefe da Casa Civil se consolidasse como eminência parda da nova era, e ele tratou de se estabelecer-se como tal. Em maio, obteve carta-branca para nomear e exonerar todos cargos de comissão no médio e alto escalão de toda a Esplanada dos Ministérios. Somado ao poder da caneta, Onyx também exercia o tradicional controle da Casa Civil sobre os projetos legislativos do governo e compartilhava, em pé de igualdade com Paulo Guedes, o comando da execução financeira da União na Junta Orçamentária.
Nas últimas duas semanas, porém, Onyx viu seu prestígio se esvair numa série de medidas tomadas por Bolsonaro. Em 21 de agosto, três decretos presidenciais estabeleceram uma nova distribuição do trabalho na "cozinha" do Palácio do Planalto, diminuindo a importância da Casa Civil. A análise jurídica das propostas legislativas do Executivo foi transferida para a Secretaria-Geral da Presidência, do ministro Jorge Francisco. Já as negociações com o Congresso foram parar no gabinete do general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Embora Onyx tenha formalmente ganhado, em compensação, o Programa de Parcerias de Investimento, essa agenda é controlada pelo ministro Tarcísio Freitas, da Infraestrutura.
Em 27 de agosto, um novo decreto retirou do gaúcho o controle sobre as indicações para cargos comissionados, que a partir de agora passa a pertencer ao ministro Jorge Francisco. Para completar seu inferno astral, os ventos agourentos de agosto ainda levaram de Onyx a influência no processo orçamentário. A partir de agora, a palavra final nas decisões cabe à equipe de Paulo Guedes.
A ascensão e a queda de Onyx Lorenzoni podem ser medidas pela agenda do presidente. Sua participação em reuniões e eventos com Bolsonaro seguiu num crescente até maio, quando foram registrados 39 compromissos oficiais, além dos encontros de rotina com todo o ministério. A partir daí, o comandante foi dedicando cada vez menos atenção ao chefe da Casa Civil. Em agosto, foram apenas 13 reuniões, bem menos do que os 22 encontros realizados com seus colegas da Secretaria-Geral da Presidência e da Secretaria de Governo.
A que pode ser atribuído esse súbito esvaziamento do protagonismo de Lorenzoni? A resposta pode estar nos planos pessoal, eleitoral e institucional. Em primeiro lugar, Bolsonaro está claramente fortalecendo o papel de ministros que gozam de extrema confiança em sua família, como Jorge Francisco e o general Ramos.
Além disso, o presidente não tem disfarçado seu interesse em se reeleger, e ao alijar do poder um importante quadro do DEM, num momento em que esse partido ensaia uma aproximação com o PSDB de Doria, o presidente emite sinais a respeito da composição de forças para as eleições de 2020, mirando 2022.
Por fim, ao afastar da coordenação política alguém com a rodagem de Onyx para colocar na função ministros sem qualquer experiência na área, Bolsonaro consolida seu modo de governar: delegando ao Congresso o protagonismo nas reformas econômicas, testando os limites de legislar por decreto e atribuindo aos ministros de áreas específicas (Meio Ambiente, Educação, Agricultura, Direitos Humanos, etc.) a liberdade para reformular e executar políticas condizentes com sua visão de mundo.
Enquanto o poder de Onyx Lorenzoni se empalidece, ficam mais nítidas as cores do governo de Bolsonaro.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro".
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