- Valor Econômico
Governo brasileiro continua a ser fonte de indefinição
A incerteza elevada prejudica as perspectivas para o crescimento global, num cenário marcado por crescentes tensões comerciais entre EUA e China, a iminente saída do Reino Unido da União Europeia (o Brexit), a crise da Argentina e os protestos dos ativistas em Hong Kong. A economia mundial vai crescer menos neste ano porque o quadro internacional está mais incerto, o que atinge em especial o investimento.
É um problema que obviamente respinga no Brasil, afetando em alguma medida o crescimento por aqui. Nesse ambiente, é fundamental que o governo atue para diminuir as incertezas internas - a iminente aprovação da reforma da Previdência vai nessa direção, ao reduzir as dúvidas quanto à sustentabilidade das contas públicas. No entanto, há iniciativas que continuam a produzir ruído e a aumentar a incerteza, caso evidente da política ambiental do presidente Jair Bolsonaro. No campo tributário, ideias como a recriação de uma contribuição sobre movimentação financeira também podem causar insegurança entre as empresas.
Em relatório, o chefe de pesquisa econômica do Barclays, Christian Keller, destaca que a maior incerteza esteve por trás das revisões para baixo do crescimento global nos trimestres recentes. "A discussão do FMI no seu Panorama Econômico Mundial de abril foi dominada pela palavra 'incerto' e suas variantes, assim como o depoimento do presidente do Fed, Jerome Powell, no Congresso em julho", diz Keller.
Entre os fatores que diminuem a previsibilidade, ele cita as negociações sobre o Brexit no Reino Unido, as eleições na Argentina e conflitos geopolíticos, como a disputa entre Índia e Paquistão e os protestos em Hong Kong, além do problema de maior impacto - as tensões entre EUA e China e outros parceiros comerciais.
"A pesquisa [econômica] mostra que esses aumentos da incerteza antecipam declínios de produção. Tarifas comerciais mais altas e preocupações sobre uma escalada e sobre retaliações afetaram o volume de comércio global diretamente, mas as consequências econômicas negativas são mais amplas, atingindo cadeias de suprimentos, o investimento empresarial e a produtividade", observa Keller.
Professor da Universidade de Chicago, Steven Davis publicou na semana passada um estudo sobre a incerteza crescente nos últimos anos. Ao lado de Nicholas Bloom, da Universidade Stanford, e Scott Baker, da Universidade Northwestern, Davis é um dos maiores especialistas no assunto. Os três construíram índices de incerteza sobre política econômica para os EUA e outros 20 países - entre eles o Brasil -, quantificando a cobertura de jornais relacionada ao tema.
No texto, Davis ressalta que a imprevisibilidade ficou muito elevada nos EUA e no mundo nos anos recentes. O indicador global, por exemplo, está rodando acima dos níveis observados durante a crise financeira mundial, agravada depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008. Em junho deste ano, o índice global alcançou o ponto mais alto da série iniciada em 1997. Com o acirramento da guerra comercial entre EUA e China no mês passado, é possível que um novo recorde tenha sido atingido - os números de agosto ainda não foram divulgados.
Houve um grande aumento da incerteza sobre política comercial desde o começo de 2018, segundo Davis. O professor de Chicago lembra que há um considerável volume de pesquisa empírica sustentando a ideia de que a incerteza prejudica o desempenho macroeconômico, notando ainda que há literatura econômica sugerindo que instrumentos de política monetária e política fiscal são mais eficientes em ambientes com maior previsibilidade.
Por aqui, a Fundação Getulio Vargas (FGV) também calcula um Índice de Incerteza Econômica (IIE). Em agosto, o indicador subiu 5,8 pontos, para 114,2 pontos, um nível elevado em termos históricos. Na avaliação de Aloisio Campelo Jr., superintendente de estatísticas públicas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, "a alta parece ter uma forte relação com acontecimentos externos, como o aprofundamento da guerra comercial entre EUA e China e a piora das perspectivas de crescimento mundial".
O indicador da FGV tem dois componentes. O mais importante é o de mídia, com peso de 80%, baseado na frequência de notícias com menção à incerteza em meios de comunicação. O outro, que responde pelos 20% restantes, é o de expectativa, que considera a variação das previsões dos analistas para o câmbio, os juros básicos e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nos próximos 12 meses.
Se as maiores incertezas hoje vêm de fora, o governo ainda causa confusões que reduzem a previsibilidade por aqui. É o caso da atual crise ambiental. A política de Bolsonaro para a Amazônia entrou na mira de diversos governos e empresas estrangeiros. Para Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV, é um fator que pode ajudar a segurar o investimento, ainda que seja uma questão mais localizada em termos setoriais.
Outra possível fonte de indefinição vem das discussões sobre a reforma tributária, avalia Castelar. A simplificação do sistema de impostos do país é bem-vinda e mais do que necessária, mas, com várias propostas diferentes na mesa, é possível que algumas empresas deixem por mais tempo os seus projetos na gaveta, até que fique claro se haverá uma reforma e, em caso positivo, qual versão será implementada.
Mais do que isso, a ideia da equipe econômica de reintroduzir um tributo sobre movimentação financeira, criticada por grande parte dos especialistas, causa incômodo, assim como a intenção do secretário especial da Receita, Marcos Cintra, de criar uma base de cálculo do Imposto de Renda para a pessoa jurídica partindo de um novo conceito de resultado fiscal, e não mais do lucro contábil. A iniciativa preocupa as empresas. Há propostas em discussão que simplificam o sistema tributário sem ideias polêmicas como a introdução de uma nova CPMF, como a do economista Bernard Appy, mas ainda não está claro qual projeto vai predominar.
Num mundo em que sobram incertezas no cenário externo, o governo precisa diminuí-las ao máximo no front doméstico, para que a lenta recuperação da economia ganhe força. Os 12,6 milhões de brasileiros desempregados têm pressa.
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