sábado, 26 de outubro de 2019

Para juristas, mudança via Congresso é inconstitucional

Texto da lei que aborda presunção de inocência é cláusula pétrea, que só pode ser modificada por Assembleia Constituinte

Dimitrius Dantas | O Globo

Cogitada por defensores da prisão após a condenação em segunda instância, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitisse a execução provisória da pena é vista com dúvidas por especialistas ouvidos pelo GLOBO. Segundo eles, uma alteração na lei poderia atingir diretamente uma cláusula pétrea, que não pode ser alterada nem pelo Congresso. Assim, seria inconstitucional. Atualmente, há apenas um projeto estudado pela Câmara, de autoria do deputado

Alex Manente (Cidadania/SP). A proposta, contudo, planeja mudar um dos incisos do artigo 5º da Constituição. Entre juristas, no entanto, é praticamente unanimidade que esse trecho da Constituição é inalterável.

— A discussão trata do artigo 5º. Se quiser mudar essa situação por uma PEC, teria que ir de encontro ao artigo 5º e, do ponto de vista jurídico, seria flagrantemente inconstitucional — afirma o advogado Evandro Fabiani Capano, professor de Direito Penal da Mackenzie.

As cláusulas pétreas servem para proteger direitos fundamentais presentes na Constituição, listados neste artigo, além de outros direitos e a organização da democracia, como o voto direto, a separação entre os Poderes e a forma federativa do Estado.

O trecho em discussão prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. No Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros discutem se essa definição exige ou não a necessidade do esgotamento dos recursos para a prisão.

—É inconstitucional (uma PEC) porque a presunção de inocência é uma cláusula pétrea. Ou seja, ela é imutável mesmo por emenda à Constituição.

Somente a convocação de uma nova Assembleia Constituinte pode alterar cláusula pétrea que protege direitos fundamentais — afirma Rodrigo Pacheco, defensor público-geral do Rio.

PROPOSTA DE PELUSO
Na quinta-feira, em evento em São Paulo, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge chegou a sugerir a possibilidade da apresentação de uma PEC que permitisse a mudança. A tramitação da proposta do deputado Alex Manente foi acelerada por deputados próximos à Operação Lava-Jato, como o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Felipe Francischini (PSL-PR).

No Congresso, existem outras possibilidades jurídicas que permitiriam a mudança. Uma delas foi proposta em 2011 pelo ex-ministro do STF Cezar Peluso e arquivada no começo do ano. O projeto, criado para diminuir o número de recursos nos tribunais superiores, não altera nenhuma cláusula pétrea diretamente.

Atualmente, depois de condenados em segunda instância, réus podem apresentar um recurso especial ao STJ e um recurso extraordinário ao STF. Pela PEC proposta por Peluso em 2011, esses dois tipos de recursos deixariam de existir. Com isso, o trânsito em julgado se daria já após condenação em segunda instância, sem desobedecer ao artigo 5º.

Não há, porém, garantia de que essa saída não seria contestada. O projeto poderia ser visto como forma de burlar o artigo 5º: —Vejo a presunção de inocência atrelada ao trânsito em julgado como direito fundamental. Não é mera norma processual — diz o advogado João Paulo Martinelli, professor do Instituto de Direito Público (IDP). Para o procurador do MP de São Paulo Marco Antonio Ferreira Lima, no entanto, esse tipo de medida poderia ser adotado.

— Nada mudaria em relação à matéria pétrea. Mudaria apenas quanto à organização judiciária constitucionalmente prevista.

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