- Folha de S. Paulo
A recuperação da economia brasileira é real, mas é lenta
Paulo Guedes fala bem. Na entrevista à Folha, pinta o que poderia ser a tônica do governo Bolsonaro. “Dá para esperar quatro aninhos de um liberal-democrata? Se não melhorar, troca, sem intolerância.” Um plano que preza pela democracia e pela liberdade, que ressalta a alternância de poder, vencedor pelo voto popular. Quem questionaria a legitimidade de implementar ideias vencedoras nas urnas, ainda mais lembrando que, se não funcionar, dá para mudar? É perfeitamente razoável.
E por isso mesmo destoa tanto da linha oficial do governo. Um governo que flerta com o golpe militar, que aparelha instituições de controle, que alimenta teorias da conspiração, faz acusações disparatadas e ameaça a imprensa.
E o próprio Guedes também abusa de sua credibilidade. A Faria Lima se empolga fácil. Basta repetir as palavras certas com autoconfiança que “o mercado” compra. Talvez isso explique a euforia inicial com a Presidência Bolsonaro. Entre profissionais do setor, que não parecem se comportar com a racionalidade do homo oeconomicus, 86% consideravam o governo ótimo ou bom em janeiro (pesquisa XP). Torcida pura. A aprovação despencaria para 14% em maio. Em outubro, subiu para 45%. A previsão do PIB também foi influenciada pela torcida. Em 28 de dezembro do ano passado (relatório Focus), previam para 2019 um crescimento do PIB de 2,55%. Já em 1º de novembro deste ano, a previsão está mais realista: 0,92%.
A pauta econômica do governo Bolsonaro —ao contrário de tantas outras (educação, meio ambiente, relações exteriores)— dá passos na direção correta. Identificou problemas reais do Brasil —desequilíbrio fiscal, caos tributário, carência de infraestrutura, dificuldade de fazer negócios, fechamento econômico, Estado ineficiente —e busca saná-los. Mas, apesar do direcionamento correto e da retórica confiante de Guedes, o andamento real de sua agenda e da economia brasileira é bem mais lento do que o prometido.
A reforma da Previdência fora prometida para o primeiro semestre; foi aprovada em outubro. Prometeu-se superávit das contas públicas no primeiro ano; não veio. Guedes falava em privatizações de um trilhão; agora ele já admite que as grandes empresas (Petrobras, Caixa, Eletrobras) não constarão de seu pacote, que ainda nem se sabe quando será proposto.
A economia se recupera; isso é inegável. Mas a recuperação é lenta. O desemprego cai mês a mês e ainda atinge 12,5 milhões (IBGE). A inflação baixa é antes sintoma da estagnação econômica do que algo a se comemorar. O juro real na mínima histórica sem dúvida há de nos ajudar a crescer, mas uma vez que a capacidade ociosa e o desemprego caiam, a inflação pode voltar, exigindo a elevação dos juros novamente.
Além da dificuldade de execução das promessas, Guedes se complica ao aventar ideias completamente fora da realidade, como a volta da CPMF ou a moeda única entre Brasil e Argentina. Se essas propostas caíram por terra, como acreditar na agenda ambiciosa das novas PECs? A Previdência era unanimidade entre os sensatos e demorou quase um ano inteiro. O que dizer de propostas mais polêmicas?
Na Argentina, Macri prometeu mundos e fundos e não conseguiu entregar. O Brasil está em situação muito melhor que a Argentina, mas uma diferença muito grande entre o prometido e o entregue também pode cobrar seu preço. E o Chile está aí a nos assombrar.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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