- O Estado de S.Paulo
O Brasil tem papel central nas negociações em preparação para a conferência sobre clima
Já faz um bom tempo que a ciência confirma: a mudança do clima do planeta é inequívoca e atribuível à ação humana. A afirmação é referendada e reconhecida não só pelo Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima, da ONU, pela Nasa, pelo Pentágono e pela ampla maioria das pesquisas científicas, como também pelas principais empresas cujas operações são baseadas em fontes fósseis. Ou seja, mesmo aqueles que terão os maiores impactos nos seus negócios reconhecem o problema e a necessidade de mudança, traduzida pela meta maior do Acordo de Paris: limitar o aumento da temperatura média terrestre em 2º C ou, se possível, 1,5° C.
Como em qualquer meta, é necessário criar meios de implementação adequados, tanto em nível nacional quanto internacional. A humanidade precisa mudar a base do seu desenvolvimento econômico. O risco fica cada vez mais evidente. Em estudo divulgado no mês passado, o FMI e a Universidade de Cambridge estimam que o impacto da mudança do clima no PIB global pode superar a casa dos 7%. Para usar expressão comumente aceita no meio, os riscos de inação superam, em muito, os riscos de ação.
Cientes do tamanho do desafio, diversos investidores vêm adotando, voluntariamente, medidas de alto impacto. Por exemplo, o fundo soberano da Noruega, um dos maiores do mundo, com mais de US$ 1 trilhão sob gestão, adotou o compromisso de se desfazer de ativos que obtenham mais de 30% de energia de fontes fósseis. Outros, como o fundo soberano da Irlanda, chegaram a se comprometer a sair de todos os seus investimentos baseados em fontes fósseis.
Em nível governamental, quase um quarto das emissões mundiais já estão sob algum sistema de precificação de carbono, incluindo a Europa, a China, a Califórnia e outras dezenas de jurisdições. Dados de 2018 indicam que mais de US$ 80 bilhões foram movimentados por esses sistemas no ano. No Brasil existem estudos, realizados em parceria entre o Banco Mundial e o Ministério da Economia, que estão avaliando possibilidades de implementar sistema parecido.
A questão mostra-se cada vez mais presente em agendas temáticas até recentemente desconectadas. Por exemplo, as preocupações com emissões de carbono são frequentes nas negociações de acordos internacionais de comércio e investimentos, entre eles, o acordo Mercosul-União Europeia.
A próxima Conferência da ONU sobre a Mudança do Clima (COP25), a ser realizada em Madri, na Espanha, entre 2 e 13 de dezembro, representará a grande oportunidade para que o mundo chegue a um consenso sobre mecanismos de mercado aplicáveis globalmente, um dos principais meios de se estimular a mudança necessária. Isso já tem sido negociado no artigo 6.º do Acordo de Paris.
O Brasil, embora tenha desafios estruturais na área ambiental, sobretudo a necessidade urgente de acabar com o desmatamento ilegal, adota, soberanamente, o mais rigoroso compromisso de redução de emissões entre os países em desenvolvimento. A meta ratificada pelo governo, conhecida como Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), prevê redução de emissões de 43% até 2030.
Na medida em que reforça o seu comprometimento, o País passa a ter credenciais mais robustas para a diferenciação dos seus diversos produtos de baixo carbono no mercado global e, assim, melhores resultados em negociações internacionais.
O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 44% de energia vinda de fontes renováveis, enquanto a média mundial está em 14%. Nosso desafio é manter esse padrão e avançar. Aumentamos mais de 30 vezes a participação da energia eólica na rede elétrica em menos de dez anos. Também temos forte capacidade na área de biocombustíveis, na agricultura de baixo carbono e na expansão da indústria de árvores cultivadas, que têm alto potencial de remoção e estocagem de carbono, além de fabricar produtos renováveis que evitam emissões em diversas cadeias produtivas.
É justamente em momentos de crise fiscal, como a que o Brasil vem atravessando, que instrumentos de mercado de carbono podem ter papel crucial, pois dependem menos de recursos públicos. Por isso é importante que os estudos em avaliação pelo Ministério da Economia e pelo Banco Mundial avancem, inclusive no que se refere a um possível mercado de carbono nacional, que considere não somente as emissões, mas também as remoções ou o sequestro de carbono originado por atividades de reflorestamento e de restauração, vinculados aos diversos segmentos da economia nacional.
Sem favor algum, o Brasil tem papel central nas negociações técnicas e políticas em preparação para a COP25. O País sempre foi respeitado internacionalmente por sua qualidade negociadora. Mais do que nunca, precisaremos reforçar essa nossa posição, especialmente sobre o artigo 6,º que determinará o futuro de um mecanismo global de comércio de carbono, o que muito nos interessa, atualmente e no futuro.
Temos de aproveitar as oportunidades que se abrem em nosso caminho. É importante que, além de ser cobrado por ações de sua responsabilidade, o País também possa trabalhar para que haja diferenciação e, portanto, estímulo dos seus diversos produtos e serviços de baixo carbono.
As emissões de carbono só serão reduzidas e os diferenciais competitivos só serão criados, na escala necessária, se houver convergência de governos e sociedades na criação e implementação de meios que transformem a economia, gerando demanda real por produtos e serviços de baixo carbono. Apesar de todos os desafios, o Brasil tem credenciais e um grande potencial. Que tenhamos plena consciência e saibamos fazer proveito dessa realidade neste momento estratégico para todo o planeta.
*Economista, presidente executivo da IBÁ, membro do Conselho do ‘Todos pela Educação’, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)
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