- O Globo
Quanto mais Bolsonaro e seu entorno tentarem avançar limites democráticos, é preciso valorizar Legislativo e Judiciário
Vivemos momento grave do país, em que a retórica presidencial pretende criar clima propício a tentativas golpistas, em uma democracia relativamente recente como a nossa, ainda abalada pela mais grave crise econômica já vivida em tempos recentes.
Como aquele sujeito que, despencando do 15º andar, ao passar pelo décimo constata que “até aqui, tudo bem”, nesses 11 meses de governo Bolsonaro estamos nos mostrando um país resiliente, onde as instituições, por mais imperfeitas que sejam, resistem satisfatoriamente aos ataques à democracia.
Quanto cada vez mais Bolsonaro e seu entorno tentarem avançar os limites democráticos, é preciso valorizar os outros dois poderes, Legislativo e Judiciário, que representam os diques de contenção dos que tentam fazer letra morta da Constituição democrática.
Nos recentes casos provocadores de potenciais crises institucionais, como a defesa do deputado Eduardo Bolsonaro de um novo AI-5 para conter possível levante esquerdista, ou o vídeo do Rei Leão cercado por hienas famintas representadas por instituições como o STF, partidos políticos, órgãos de imprensa independente, a Teoria da Separação dos Poderes, de Montesquieu, onde pesos e contrapesos funcionam para impedir que um deles tente avançar sobre os demais, tem funcionado para conter abusos institucionais do Executivo.
Uma força coletiva levantou barreira democrática à retórica golpista, o que chamou a atenção positivamente do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, satisfeito de ver nossa jovem democracia resistir aos ataques.
Essa barreira foi levantada em diversas ocasiões por representantes do Legislativo e do Judiciário, e obrigou a um recuo tanto do presidente, que pediu desculpas pelo vídeo das hienas, quanto de seu filho Eduardo, que tentou consertar a frase do AI-5, sem consegui-lo.
Figuras destacadas dessa reação democrática foram o decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O primeiro ressaltou o “atrevimento presidencial” no episódio do vídeo, que caracteriza “absoluta falta de ‘gravitas’ e de apropriada “estatura presidencial”.
Para o decano do STF, o vídeo é “a expressão odiosa (e profundamente lamentável) de quem desconhece o dogma da separação de poderes”. E advertiu: “(...) ninguém, nem mesmo o Presidente da República, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”.
O presidente da Câmara criticou duramente as declarações de Eduardo Bolsonaro, considerando-as “repugnantes”, lembrando que “uma nação só é forte quando suas instituições são fortes”.
Também reagiu duramente ao comentário do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete Institucional da Presidência da República, que, ao invés de criticar a proposta de Eduardo, disse que “tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter. Mas, até chegar a esse ponto, tem um caminho longo”.
Rodrigo Maia considerou o comentário “grave”, lamentando que o general Heleno tivesse virado “um auxiliar do radicalismo do Olavo [Olavo de Carvalho]. É uma pena que um general da qualidade dele tenha caminhado nessa linha”.
Embora os episódios não tenham merecido uma nota oficial do Supremo, ministros se pronunciaram. Marco Aurélio Mello considerou uma “impropriedade” o comentário do deputado federal Eduardo Bolsonaro sobre “um novo AI-5”: “A toada não é democrática-republicana. Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos”.
Também o ministro Gilmar Mendes foi ao Twitter para protestar: “O AI-5 impôs a perda de mandatos de congressistas, a suspensão dos direitos civis e políticos e o esvaziamento do habeas corpus. É o símbolo maior da tortura institucionalizada. Exaltar o período de trevas da ditadura é desmerecer a estatura constitucional da nossa democracia”.
Por mais diversas que sejam as posições desses personagens de nossa cena política, por mais divergências que decisões pessoais possam causar, é com as instituições que Legislativo e Judiciário representam que os democratas contam na eventualidade, perigosamente próxima, de a guerra retórica dos Bolsonaro se transformar em atos concretos contra a democracia.
São eles nossa rede de proteção.
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