- O Globo
Governadores querem um plano imediato do governo federal de combate ao desmatamento, mas só ouviram propostas vazias do ministro Salles
O Brasil já começou a perder o próximo ano ambiental. De agosto a outubro o desmatamento cresceu 100% em relação ao mesmo período anterior, e esses dados entram no período 2020. As ideias que o ministro Ricardo Salles apresentou não são apenas vagas, são perigosas. Quando ele diz que quer regularização fundiária, está se referindo a um projeto do governo que exige apenas a autodeclaração do ocupante para a emissão do documento de propriedade. Isso, claro, é o caminho para legalizar a grilagem.
Os empresários do agronegócio estão preocupados, com razão. As ameaças aos nossos produtos, por razões ambientais, estão se tornando concretas. Nova York apresentou uma resolução determinando que empresas e órgãos instalados na cidade não comprem de empresas que desmatem a Amazônia e não invistam em empresas agrícolas que se beneficiem do desmatamento. Alguns senadores americanos, entre eles quatro pré-candidatos, escreveram uma carta para grandes grupos e instituições financeiras para que usem sua influência para deter o desmatamento da Amazônia. Uma dessas cartas foi para empresas de bebidas, alimentos e bens de consumo. “Por favor, falem alto e deixem claro que a proteção da Amazônia é essencial para que a sua companhia faça negócios na região”, diz o texto. Algumas dessas empresas destinatárias estão aqui, como a Cargill, Loreal, Nestlé.
Quando há um surto de desmatamento, como agora, a reversão da tendência depende da qualidade da respostado governo. E o atual continua nos seus erros seriais. O governo diz que vai para a COP exigir o pagamento pela proteção ambiental, e isso depois de ter péssimos números, tendências, e propostas a apresentar. E foi o próprio ministro que, por irresponsabilidade, neutralizou o Fundo Amazônia, o instrumento pelo qual vinha dinheiro externo para a proteção, e cujo destino majoritário eram os estados e os municípios em suas atividades de proteção.
Salles falava de propostas vagas e genéricas, na reunião com os governadores da Amazônia, quando eles foram direto ao ponto. Decidiram ir ao ministro Alexandre de Moraes pedir providências para que o dinheiro, que veio da Lava-Jato, seja depositado nos fundos estaduais de meio ambiente. O governo queria, através de um projeto de lei, que esses R$ 430 milhões fossem primeiro para a União que, então, faria convênios com os Estados.
— Se a decisão for como pedimos, no máximo em 20 dias o dinheiro poderá estar nos fundos, se for como o governo está pensando, um ano. Nesse ponto, até o ministro concordou conosco — explicou um dos governadores presentes. O governo federal terá R$ 630 milhões do mesmo dinheiro da Lava-Jato para aplicar em ações federais de combate ao desmatamento. Mas não se sabe ainda como usará. Um dos governadores descreveu a reunião assim:
—O ministro tem os eixos na cabeça, mas não tem o conteúdo de cada eixo.
Um dos eixos é o da regularização fundiária, em que há uma MP em gestação baseada na ideia do secretário de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, propondo dar título a partir da autodeclaração do ocupante. É um prêmio a quem desmatou ilegalmente. Outro é o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). Todos os estados já têm ZEEs. O que é preciso é implantar. De qualquer maneira, isso tem efeito de longo prazo.
Os governadores querem um plano imediato do governo federal de controle e de combate ao desmatamento e nesse assunto só houve propostas vazias.
O que os ambientalistas acham fundamental é que seja definido o que acontecerá com as chamadas “terras públicas não destinadas”. São 70 milhões de hectares e nelas está havendo muita grilagem e desmatamento. O ideal é que sejam destinadas à conservação. Para a produção existem outros 80 milhões de hectares já desmatados, a maior parte em pasto de baixa produtividade e o resto abandonado após degradação. Essas terras podem ser recuperadas para a produção. E nas áreas de florestas com comunidades pode-se incentivar as cadeias de produção, a bioeconomia com a floresta em pé.
O mais urgente a fazer, no entanto, é estancar o desmatamento e a ocupação ilegal de terra pública. O ministro está no cargo há 11 meses e só tem propostas vazias. O presidente Jair Bolsonaro mesmo diante de todas as evidências continua dizendo que desmatar e incendiar a floresta é “cultural”.
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