- O Globo
Fica evidente que já há uma maioria de votos a favor da atuação sem peias dos órgãos de fiscalização financeira como a UIF e a Receita Federal
O sujeito nada oculto do julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), o senador Flávio Bolsonaro, tornou-se ontem o centro dos debates, tudo de maneira indireta, como necessariamente seria desde o início.
Pelo que se deduz da posição dos ministros, seja nos votos já proferidos, seja pelos comentários feitos durante a sessão, o antigo Coaf, hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF), vai ter permissão para usar os dados recebidos dos bancos da maneira como vem fazendo, de acordo com as normas internacionais.
Isso quer dizer que o processo contra o filho de Bolsonaro, suspenso desde julho por uma liminar do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, poderá ter prosseguimento, assim como os demais que estão paralisados desde a primeira decisão. O próprio Toffoli votou ontem por permitir essa atuação da UIF, quando havia dado a liminar a pedido da defesa de Flávio devido à ação do antigo Coaf. O julgamento foi suspenso diante da contestação de três ministros sobre a inclusão da hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF) no processo, já que originalmente a disputa era entre um casal dono de um posto de gasolina que reclamava do compartilhamento de dados da Receita Federal.
Ficou claro que a UIF entrou nesse processo como Pilatos no Credo. O que, segundo o dicionário Houaiss, significa ser responsabilizado por algo que não fez. O ministro Ricardo Lewandowski foi o primeiro a explicitar sua discordância: “Eu confesso a Vossa Excelência que tenho muita dificuldade em enfrentar esse tema, quando ele não foi suscitado nesse Recurso Extraordinário, em nenhum momento. Eu acho que é um tema relevante, haverá um momento oportuno em que nós nos debruçaremos sobre ele, mas agora, sem nenhum elemento?”.
A ministra Rosa Weber se juntou à estranheza: “Não tenho nenhuma dificuldade em enfrentar o tema UIF. Mas pelo visto ele só surgiu aqui em sede extraordinária. Não se diz uma linha a respeito”. Já o ministro Marco Aurélio Mello lembrou: “Aprendemos desde sempre que recurso extraordinário exige debate prévio, nas questões recursais”.
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, tentou explicar a inclusão com a alegação de que a tese geral era “o compartilhamento de informações entre as instituições”. Conclui-se dos debates que a atuação da UIF será retirada do processo, ou será avalizada como constitucional pela maioria do plenário.
Fica evidente que já há uma maioria de votos a favor da atuação sem peias dos órgãos de fiscalização financeira como a UIF e a Receita Federal, a exemplo do voto de ontem do ministro Alexandre de Moraes. Outros quatro ministros pelo menos devem seguir essa divergência: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia.
Provavelmente a ministra Rosa Weber pode aderir a essa tese, formando a maioria simples necessária para dirimir questões constitucionais. Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello têm posição conhecida, contra qualquer tipo de compartilhamento sem autorização judicial. O ministro Gilmar Mendes pode tanto aderir, por solidariedade, ao voto do presidente Toffoli, ou ser mais radical e votar contra compartilhamentos sem autorização.
Se o voto da ministra Rosa Weber, num primeiro momento, não for pelo compartilhamento integral, sem autorização judicial, haverá necessidade de buscar o chamado voto médio. O problema é que o voto de Toffoli está muito longe do dos demais ministros favoráveis a não restringir os órgãos de fiscalização. Não pode significar o voto médio.
Tanto ele quanto Rosa Weber podem, então, mudar de voto e fechar a maioria. A verdade é que o país perdeu quatro meses, entre a promulgação da liminar dada por Toffoli, até o julgamento que deve terminar na próxima semana, com mais de 900 processos contra corrupção parados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário